As mudanças nas relações de trabalho geradas com o advento da tecnologia acabaram levando a um fenômeno conhecido por ‘Uberização’, assim batizado em referência a uma das empresas que tomaram a frente no processo. Aplicativos de transporte de pessoas e entregas (no segundo caso, tão mais importantes num momento único como o da pandemia, e a necessidade do isolamento social) funcionam com um sistema de filiação que dispensa vínculos e, da mesma forma, não oferece garantias aos trabalhadores, que acabam aderindo diante da falta de oportunidades em outros setores. No caso de quem presta serviço sobre duas rodas, com direito a ‘mochilões’ que, como já se mostrou, constituem um risco extra de lesões em casos de acidentes.
Tais empresas lucram com uma parcela significativa do que é pago pelo consumidor, deixando os afiliados com os ônus de combustível, manutenção dos veículos, entre outros. Nada que não se saiba ou seja ilegal mas que, cada vez mais, gera questionamentos dos próprios entregadores, parcela que exerce hoje função considerada essencial diante das restrições de funcionamento do comércio e de circulação. Reclamam os profissionais dos baixos valores repassados, além da suposta falta de suporte nas questões sanitárias. Os motoboys afirmam estarem sendo obrigados a bancar parte da despesa com a compra de equipamentos de proteção e álcool gel, entre outros - a ajuda de custo oferecida pelos aplicativos é considerada insuficiente.
Nesta quarta-feira, de modo espontâneo e sem conotação política ou sindical, a promessa é de paralisação em todo o país. O que, considerando os aspectos envolvidos, constituiria uma ‘greve dos tempos modernos’. Justamente pela ausência de vínculos, nenhum aplicativo pode pleitear judicialmente o fim do movimento. Por outro lado, considerando a especificidade das relações - várias empresas não têm escritórios ou representações dignas do nome nas cidades em que atuam que pudessem ouvir as reivindicações -; cria-se um instrumento engenhoso e inteligente de pressão, ao mirar o faturamento e, portanto, o bolso.
Se cada vez mais a população se beneficia das facilidades oferecidas por tal tipo de serviço, é importante compreender a lógica econômica que o cerca para também se posicionar e não incentivar eventuais abusos.