'A Bela e a Fera' estreia com boicote a personagem gay

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
15/03/2017 às 18:34.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:45

DISNEY/DIVULGAÇÃO / N/AO diretor Bill Condon revelou que o personagem LeFou, criado do vilão Gaston, seria o primeiro personagem gay da história dos estúdios DisneyLeFou. O nome afrancesado provavelmente cairia no esquecimento após o lançamento do filme “A Bela e a Fera”, que estreia hoje nos cinemas, não fosse por um detalhe: a orientação sexual dele, revelada pelo diretor Bill Condon, para quem o criado do vilão Gaston é o primeiro personagem gay da história dos estúdios Disney.  Foi o bastante para acender a pólvora da polêmica, dividindo, mais uma vez, religiosos conservadores e militantes LGBT. A Rússia classificou o filme, derivado do clássico em desenho, como impróprio para menores de 16 anos, após o pedido de um deputado. Na Malásia, de maioria muçulmana, autoridades exigiram o corte de uma cena supostamente gay. No Brasil, o pastor Silas Malafaia lidera um boicote e nos Estados Unidos o grupo evangélico American Family Association (AFA) incluiu a casa de Mickey Mouse numa lista suja, alertando que o longa “deu sinal verde para uma forte agenda LGBTQ em um filme que atinge o mercado entre 5 e 11 anos”. Luiz Nazario, escritor e professor de cinema da Escola de Belas Artes da UFMG, lembra que não é de hoje que essa tarja de perigo é colada ao estúdio americano. “A ideia de que a Disney prejudica as crianças se firmou, sobretudo, após o enorme sucesso de ‘O Rei Leão’ (lançado em 1994)”, registra. E, curiosamente, tudo começou com um pastor brasileiro residente nos Estados Unidos, José Yrion, para quem todos os vídeos da Disney deveriam ser destruídos. “Ele percebeu nos desenhos mensagens subliminares, de cunho pornográfico, para dopar as crianças e colocá-las a serviço de Satã”, afirma Nazario. De acordo com o professor, Yrion teria observado um pênis sorrateiramente embutido num castelo e formado pelo vestido de Minnie nas mãos do namorado Mickey – e que ilustrariam capas dos vídeos. Enxergou ainda a palavra “sex” formada no céu, numa das cen</CW>as de “O Rei Leão”, que também teria um vilão afeminado. “A falsa notícia de que o então diretor executivo da Disney Michael Eisner, casado e com três filhos, havia abandonado a esposa para se casar secretamente com outro homem, em 1996, desencadeou a paranoia social. A polêmica agudizou-se em 2013, quando a Disney passou a ser presidida, pela primeira vez, por um homossexual assumido, George Kalogridis”, analisa. Beijo gay Os críticos que tiveram acesso ao novo “A Bela e a Fera”, com Emma Watson e Dan Stevens nos papéis títulos, não viram razão para tanto alarde. E poucos dias antes a Disney já havia exibido um beijo gay na TV, no Disney XD, num dos episódios de “Star vs. as Forças do Mal”. A cena fazia parte de um número musical chamado “Apenas Amigos”. DREAMWORKS/DIVULGAÇÃO / N/A

"Espanta Tubarões" tem uma das primeiras representações positivas Presença não significa vitória da diversidade A maior presença de personagens gays em produções da Disney, especialmente nas animações, não significa ainda uma vitória da diversidade. Ao contrário. Em tese de doutorado na UFMG “A representação do diverso no cinema de animação”, Felipe de Castro Ramalho desenvolve a ideia de que essas participações são mais negativas do que positivas. Ainda sem acesso à nova versão de “A Bela e a Fera”, feita com atores de carne e osso, ele lembra que, pelo menos na animação de 1991, Le Fou era apenas um alívio cômico. “Existem dois momentos na representação dos gays nas animações. Na primeira, que envolve os clássicos, o personagem é sempre o vilão ou um coadjuvante de nível cômico”, registra. Ele cita como bons exemplos disso o Scar de “O Rei Leão”, que aparece com uma espécie de sombra embaixo dos olhos e tem trejeitos afeminados, e a Úrsula de “A Pequena Sereia”, que foi inspirada numa drag queen, a rechonchuda Divine. “Naquela época, anos 80, o gay era mal visto, ligado à doença da Aids”, associa. Ainda sobre “O Rei Leão”, Felipe lembra que os dois personagens, o suricato Pumba e o javali Timão, que criam o leãozinho Simba, seriam um casal gay, excluído da sociedade. “Mas a educação que eles dão ao Simba é questionada até pela música ‘Hakuna Matata’, que quer dizer ‘não se preocupe com os problemas’. É como se perguntasse: é isso que você quer para seus filhos?”, destaca. A representação dos gays nas animações só começou a mudar a partir na metade dos anos 1990, a partir de “Toy Story”, quando o público alvo deixou de ser apenas as crianças. “Passaram a ter um cuidado maior na elaboração dos personagens, com situações que apenas os adultos entenderão”, salienta. Nessa esteira veio Lenny, de “O Espanta Tubarões”, a primeira representação positiva. “Embora não afirme ser um homossexual, a leitura que se faz do filme nos leva a isso. Ele está sempre em confronto com o pai, até o momento em que este aceita finalmente o fato de o filho ser diferente. Em determinado momento, ele sai literalmente de um armário”, analisa Felipe, para quem já está na hora de as animações trabalharem a diversidade de uma forma educativa.

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