A Garça

09/08/2018 às 06:06.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:50

Quero hoje utilizar este minifúndio literário a mim concedido nas páginas de O NORTE para replicar uma crônica escrita pelo jornalista Felipe Gabrich em homenagem a meu pai, o saudoso e querido Nilson Espoletão, apelidado pelo próprio de A Garça.

O viver é uma arte misteriosa e surpreendente. O ser humano ainda não aprendeu a rir debochadamente de suas quedas. Ou ainda não quis compreender que a vida é uma desafiadora caminhada de altos e baixos para os viventes de todas as raças e credos. Há literaturas sagradas ou não que registram esse fenômeno existencial. Quem diria, por exemplo, que eu, simples atleta de futebol aposentado, voltaria ao campo de meus sonhos infantis para dar uma entrevista a um jornalista?

Eu jamais poderia imaginar que seria sabatinado algum dia, sob os holofotes da mídia citadina, pelo filho de uma pessoa que jogou bola comigo e a quem eu admirava muito. O jogador e o ser humano. Eu o apelidei certa feita de garça. Não sem propósito. Ele era um atleta elegante, tanto no drible como no correr nas quatro linhas; tanto para dominar uma bola no peito como para lançá-la para frente a longas distâncias. Não dava chutões para o alto. Ou bicudas. Nem disputava a bola faltosamente, agredindo o adversário.

No gramado, queria apenas que seu time ganhasse. Na bola. E que todos os jogadores se conscientizassem de que estavam num grande palco encenando um balé de Tchaikovsky. Ou mostrando um futebol moleque e alegre para a arquibancada ver. Ele não foi apenas um jogador de futebol do Cassimiro de Abreu, do Ipê ou do selecionado da cidade de Montes Claros.

Cada torcedor tem o ídolo que merece. Tanto em nível local como estadual e nacional. Muitos falam em fulano ou sicrano ou beltrano. Eu tenho orgulho em dizer que joguei ao seu lado, razão porque falo de camarote. No selecionado mundial de todos os tempos de meus sonhos ele é titular absoluto. Seriam ele e mais dez.

Aprendi muito com ele. No campo e fora dele. O companheirismo. A fraternidade. A força do silêncio. O ganho na perda. A alegria na derrota. O aplauso na vaia da multidão. Humilde e fiel aos seus princípios e regras de vida.

Trabalhava incansável, mas alegremente, como se estivesse pintando as paredes do mundo. E posso enxergá-lo a qualquer hora do dia montando ou empurrando a sua incomparável companheira bicicleta em direção ao local de trabalho. Que podia ser qualquer um. Ou em lugar qualquer. Ou abrindo o sorriso franco e acolhedor para dizer uma palavra amiga.

Para mim, o jogador de futebol universal de todos os tempos tem apenas um nome: Nilson Espoletão. Simples assim, como ele sempre foi.

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