A natureza de Trump

10/02/2017 às 17:17.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:50

Quem planta limoeiro espera colher limão. No entanto, nossa sociedade, movida pela óptica analítica, e não pela dialética, se acostumou a examinar os fatos por seus efeitos e não por suas causas.

O próprio sistema ideológico no qual vivemos cuida de encobrir as verdadeiras causas. Assim, há países pobres porque seu povo não é empreendedor; muçulmanos são potenciais terroristas; presos comuns, irrecuperáveis; homossexuais, pervertidos; negros, inaptos às carreiras científicas etc.

Trump surpreende muitos. Sobretudo seus aliados. Ninguém esperava que o seu primeiro soco na cara de governos da América Latina fosse exatamente em gestões que se postavam de joelhos diante da Casa Branca: México e Argentina. Se fosse na cara do governo da Venezuela não teria surpreendido.

Trump deu uma rasteira em seus mais fiéis aliados, como agora faz com os governos europeus, ao ameaçar esvaziar a Otan e fechar as portas dos EUA aos refugiados.

Trump é louco? Porá fogo no mundo, como Hitler fez na Europa e Nero em Roma? De modo algum. Louco é quem rasga dinheiro, e Trump sabe como multiplicá-lo. Ele é fruto genuíno do sistema capitalista, cujo valor primordial é a competitividade e não a solidariedade. E aparelha sua administração para consolidar os mais caros “valores” desse sistema que pratica a idolatria do dinheiro: supremacia dos brancos; fortalecimento dos privilégios dos ricos; anulação de direitos sociais, como saúde; liberação da CIA para sequestrar suspeitos em qualquer ponto do planeta, torturar e manter cárceres clandestinos etc.

Se quem planta limoeiro colhe limões, quem planta essa perversa noção de que ser rico em um mundo majoritariamente pobre (a renda de 1% da população mundial supera a de 99%) é um direito natural legitima a desigualdade e a violência. Para assegurar esse “direito natural”, aciona-se uma poderosa máquina de propaganda. É fato que muitos não ricos nutrem explícita ou dissimulada inveja dos mais ricos.

A propaganda é avassaladora. Tirânica, como analisou Hannah Arendt. Incute-nos a ideia de que só os ricos são felizes, pois têm acesso ao luxuoso e requintado mercado de bens supérfluos. Ou vemos com frequência na TV propaganda de quem partilha seus bens, defende os direitos dos negros e homossexuais?

O sistema não tem o menor interesse nas pessoas, exceto se são potencialmente consumidoras. O que importa é o lucro e a acumulação de riquezas. Se um país é pobre isso resulta de sua falta de cultura e criatividade. Assim, jogam-se para debaixo do tapete as verdadeiras causas: séculos de colonialismo, de tirania a serviço dos países metropolitanos, de extorsão de recursos naturais e exploração da mão de obra.

Exemplo disso é o Brasil, no qual os portugueses tudo fizeram para evitar uma nação de letrados. A primeira impressora desembarcou aqui em 1808, com Dom João VI, mais de três séculos após o início da colonização. E a primeira universidade foi inaugurada em 1913.

Trump é um imperador que se acredita revestido de cabelos de ouro. Seu país viola impunemente a soberania de inúmeros outros através de suas empresas e bases militares. Quantas bases militares estrangeiras existem nos EUA? O dólar é a moeda padrão internacional. Se os EUA tossem, a economia global se gripa.

O bom de Trump é que, agora, ele exibe as garras afiadas de Tio Sam. Este já não faz questão de esconder sua verdadeira natureza sob a fachada de bom velhinho. Clark Kent se despe, afinal, de sua cara de boa gente. Quem acreditou na humanização do capitalismo talvez se convença de que serrar os dentes e as garras do tigre não anula a sua natural ferocidade.

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