Aldir Alves Teixeira: o que são cafés especiais?

Hoje em Dia
05/08/2015 às 08:15.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:13
 (Arquivo Pessoal)

(Arquivo Pessoal)

Por Aldir Alves Teixeira

A procura por cafés especiais vem ocupando um espaço cada vez maior entre os consumidores, por oferecer uma bebida com mais aroma e sabor. Esse mercado vem crescendo, ano a ano, em todo o mundo, com tendência a crescer ainda mais na próxima década. Por outro lado, os cafés tradicionais, comercializados como commodity, continuam em queda.

Cafés Especiais são aqueles obtidos com grãos de qualidade superior, sem a presença de defeitos capitais, como o preto, o verde, o ardido e o preto-verde, com uma bebida limpa, sem qualquer fermentação indesejável, com bom aroma e sabor, deixando um retro gosto agradável na boca por um longo período. Para reconhecermos a qualidade de um café devemos bebê-lo puro, sem qualquer aditivo como açúcar, adoçante, creme, leite e outros ingredientes.

Para produzir um café especial, o cafeicultor precisa estar atento a muitos cuidados, desde a colheita, o preparo, o armazenamento, o beneficiamento e o transporte. As empresas de torrefação, por outro lado, precisam preservar a qualidade, torrando e embalando adequadamente até chegar à xícara do consumidor.

No preparo de um café Espresso – forma de preparo com extração mais rápida, alta pressão e temperatura –, as características de sabor e aroma da bebida são ressaltadas, oferecendo, ao mesmo tempo, menos cafeína. Assim, se os grãos forem de boa qualidade, o espresso é excelente. Caso contrário, ele fica horrível.

Apesar dos cuidados exigidos do cafeicultor, esse segmento do mercado é extremamente recompensado, porque recebe remuneração em patamares superiores aos praticados para os cafés comuns. O desconhecimento, ou mesmo a falta de cuidado, faz com que o cafeicultor “tropece” em algumas das etapas fundamentais de preparo: na colheita, muitas vezes iniciada antes do prazo ideal; na secagem, um dos pontos mais críticos do processo de preparo, na umidade final e no armazenamento mal feito.Esses aspectos podem significar a diferença entre um Café Especial e um Café Commodity, com muitos defeitos, manchados, desmerecidos, sabores indesejáveis e preços inferiores.

Cuidados

A nossa recomendação é para que o produtor não colha frutos verdes e verdoengos. Os grãos imaturos, provenientes de frutos verdes, são os responsáveis pela bebida mais amarga, adstringente e sem aroma. Por isso, antes de iniciar a colheita, o produtor deve verificar o estágio de maturação dos frutos, colhendo amostras aleatórias na parte alta, média e baixa da planta, em dois lados, para calcular a porcentagem dos frutos em cada estágio. A incidência de frutos verdes e verdoengos deverá sempre ser a menor possível, nunca superior a 10%.

Depois da colheita, o café não deve ficar amontoado por muito tempo, quer nos sacos de colheita, quer nas carretas ou na moega de recepção para evitar fermentação indesejável e que estraga o café. Deve ser conduzido, no mesmo dia, para o lavador.

No Brasil, a opção que tem sido adotada com muito sucesso é o do café chamado descascado. O café cereja é descascado, retirado da casca, sem a retirada da mucilagem e, a seguir, sem água escorrendo, levado para o terreiro de secagem. O café natural, ou seja, o fruto seco por inteiro, tem, nos últimos anos, trazido problema para a qualidade final. O aumento da temperatura média nos meses da colheita tem provocado a fermentação indesejável na própria árvore, produzindo cafés fermentados.

A secagem, muito importante, merece mais cuidado quando envolve cafés descascados, segmento que vem ocupando mais espaço no mercado. O primeiro grande cuidado deve começar na escolha do terreiro, que deve ter tamanho adequado, ser bem localizado (nunca em baixadas úmidas), de preferência com superfície permeável e com boa declividade. Antes da colheita, o terreiro deve ser limpo e passar por manutenção.

O café não pode e não deve chegar ao terreiro com água. Deve ser espalhado em camadas bem finas e com movimentação de forma constante, durante todo o dia, para perder a umidade externa. É bom lembrar que movimento constante quer dizer mexer o café o dia todo, sem parar. Nesta fase inicial de secagem, o grão de café precisa de mais ventilação e menos calor. Por isso, recomendamos terreiros bem localizados, em geral na parte alta das fazendas, expostos ao sol e bem ventilados.

No final da tarde, já nos primeiros dias, os frutos devem ser colocados em fileiras, no sentido da declividade do terreiro, para favorecer a homogeneização da secagem e evitar o orvalho da noite. Quando o café atingir o estágio de meia seca (ao redor de 20% de umidade no grão), ele deve ser amontoado e coberto com lona de pano, nunca de plástico preto, para ser protegido da chuva e do orvalho, e dar continuidade à homogeneização. Pode, também, ser colocado no secador.

O secador é uma ferramenta importante. Nunca se esqueça de fazer uma boa limpeza e uma boa manutenção, antes do início da safra. O produtor deve dar preferência aos secadores de fogo indireto, nos quais é mais fácil controlar a temperatura e a fumaça. A carga deve ser sempre completa, de lotes homogêneos, com boa ventilação e sem calor excessivo. A rigor, especialmente no início da secagem, a ventilação é mais importante do que a temperatura.

A lenha deverá ser bem seca para aumentar o rendimento, evitar perda de energia e o cheiro de fumaça. Os cafés descascados exigem uma secagem mais lenta, em temperatura máxima de 35ºC, com intervalos para descanso e igualação. A seca contínua deverá sempre ser evitada. No final do processo, o grão deverá ter um teor máximo de umidade de 11%. Grãos muito úmidos se deterioram mais rapidamente e contaminam os outros. É importante sempre aferir o instrumento utilizado para mensurar a umidade e verificar se está adequadamente calibrado.

Armazenamento

A armazenagem deverá sempre ser feita em local que tenha boas condições de ventilação, no escuro, com a recomendação de umidade relativa do ar de 60% e temperatura de 22ºC. A norma ISO 8455:2011, aprovada em março de 2011, recomenda, entre outras diretrizes, que os armazéns não sejam construídos em locais onde haja acúmulo de ar frio, que sejam orientados na direção leste-oeste, tenham piso impermeabilizado e a cobertura equipada com isolamento térmico.

O café beneficiado deve ser armazenado longe das paredes e mantido, a maior parte do tempo, completamente no escuro. Também deve ser evitado o uso de máquinas ou de qualquer outra atividade que possa interferir no processo de completo descanso do produto.

Pássaros, cujas fezes podem causar contaminação, e produtos químicos, que podem transmitir gostos e cheiros indesejáveis, não devem ficar nas tulhas e armazéns que abrigam o café. Antes de ir para o beneficiamento, o café deve permanecer pelo menos 30 dias em descanso. Assim, o grão manterá sua qualidade por um período maior de tempo e permitirá, aos torrefadores, preparar blends capazes de satisfazer os mais exigentes consumidores.

Os cafés preparados desta maneira podem ser transportados convenientemente e comercializados, no mercado interno e externo, por um preço superior e ainda ser inscritos em concursos de qualidade como: o Prêmio Ernesto Illy de Qualidade do Café para Espresso, agora na sua vigésima quinta versão, promovido anualmente pela Illycaffè, desde 1991, e o Concurso Estadual de Qualidade do Café de São Paulo, criado em 2002.

Engenheiro agrônomo e doutor em Agronomia pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP), consultor científico da Illycaffè no Brasil, membro da Câmara Setorial de Café da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo.

O aumento da temperatura média nos meses da colheita tem provocado a fermentação indesejável na própria árvore, produzindo cafés fermentados

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