(ABRAAO BRUCK/CMBH)
A Câmara Municipal de Belo Horizonte recebeu, nessa quinta-feira (8), um novo pedido de cassação do mandato do vereador Flávio dos Santos (Podemos). Desta vez, a denúncia cita, além da rachadinha, razão do primeiro pedido, o furto de energia elétrica e água, crime conhecido como gatos, como argumento para a cassação por quebra de decoro. Agora, o pedido será avaliado pela Procuradoria da Casa quanto à legitimidade jurídica e caberá à Presidência decidir se a solicitação vai a Plenário. O primeiro pedido chegou a ser votado na Casa, mas foi arquivado pelos vereadores.
O novo pedido foi feito pelo estudante de Direito Eduardo Otoni, que aponta que as denúncias e testemunhas contra Flávio superam as que culminaram na perda do mandato de Cláudio Duarte (PSL) na última semana. O estudante anexou áudios à denúncia na qual supostos funcionários do vereador contam repassar uma quantia mensalmente ao parlamentar.
A denúncia aponta que Flávio dos Santos furtava água e energia elétrica através da instalação dos chamados gatos, que burlam o sistema de medição da Cemig e da Copasa e diminuem o valor das contas no fim do mês. O documento cita um vídeo no qual Flávio instrui um homem sobre como proceder para a realização e a manutenção do gato. A denúncia transcreve um trecho da conversa:
"Homem: Sem o tampão branco (...)
Vereador Flavio dos Santos: Caso a Copasa chegar (...)
Homem: Com tampão Branco.
Vereador Flavio dos Santos: Ela pode entrar e olhar. Ce vai só falar assim: não tem ninguém morando aqui (...) você não vai falar porque você está morando não...
Homem: Urrum
Vereador: Não tem ninguém morando aqui tão..." [SIC]
Além da prática de gato, o pedido de cassação ainda cita uma ONG comandada por Flávio que seria usada somente para arrecadar fundos, sem de fato cumprir o papel de servir à comunidade. A denúncia aponta o recebimento de R$ 500 mil em bens como materiais e carro através de emenda parlamentar vindos da ex-deputada estadual Arlete Magalhães. A reportagem procurou Arlete, mas ainda não teve retorno.
O vereador também foi procurado e, segundo a recepcionista de seu gabinete, ele está com problemas de saúde nesta sexta-feira (9) e deve convocar uma coletiva para informar seu posicionamento.
Áudios e rachadinha
A reportagem teve acesso a três dos materiais citados na denúncia, três áudios que provariam a prática de rachadinha no gabinete do vereador. Em um deles, o próprio parlamentar conversa com um assessor e conta que foi chamado ao Ministério Público para esclarecer denúncias sobre o crime. "No meu gabinete não existe rachadinha", reproduz o que teria dito ao MP. Ele ainda alerta que outros podem ser chamados, "os que ganham mais".
O assessor, então, afirma que o vereador deve "passar aperto com o Roni". Ele justifica dizendo que as atribuições de Roni são as de motorista, o que poderia gerar dúvidas nas autoridades por causa do salário que ele recebe. Ronecir Gomes Lopes, o funcionário cujo apelido é Roni, é apontado como motorista do vereador pelo assessor, mas em seu registro no Portal da Transparência da Câmara, ele consta como Assessor Parlamentar, com salário bruto de mais de R$ 16 mil.
Ainda na conversa, Flávio instrui sobre o procedimento caso algum servidor do gabinete seja convocado: "É ser franco. 'Lá não existe isso'. É matar a cobra com uma paulada só".
Ouça a conversa:
Em outra gravação, Roni conta a outro assessor sobre os repasses que faz a Flávio dos Santos, o que caracteriza a prática de rachadinha. "Já tem um ano e meio que eu estou repassando todo mês. Se vocês forem olhar minha conta bancária, vocês vão ver eu todo mês tiro e dou uma parte para ele", relata.
Roni também afirma que realiza serviços externos à atividade parlamentar para o vereador. "Eu trabalho para o Flávio, sou motorista dele, eu faço coisa particular dele, eu sou assessor direto dele lá e, além disso tudo, eu ainda sou usado para fazer repasse. E outra, a função é levar a irmã para o trabalho, levar a esposa para o médico, levar o vizinho para o médico e não sei o que", descreve.
Ouça a gravação na íntegra:
Outro áudio ao qual a reportagem teve acesso traz uma ex-assessora do vereador conversando com uma funcionária atual do gabinete, chamada de dona Gilda. Gilda Maria Monteiro, conforme consta no Portal da Transparência, tem um vencimento líquido de pouco mais de R$ 3 mil, dos quais, segundo o que ela relata na gravação, R$ 1 mil são destinados ao vereador. "Foi combinado e eu agradeço ele todos os dias e trabalho como se eu tivesse ganhando 5, 10 mil", declara a servidora.
Ouça a conversa entre as mulheres:
Rachadinha
O crime conhecido como rachadinha, que consiste no repasse ilegal de parte do salário dos servidores do gabinete ao vereador, foi o motivo da primeira cassação da história da Câmara Municipal de Belo Horizonte, a de Cláudio Duarte (PSL).
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) já tem uma investigação em curso para apurar a prática no gabinete de Flávio dos Santos.
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