(Wesley Rodrigues)
Mães usuárias de drogas e álcool ou em situação de rua que tiveram os recém-nascidos levados compulsoriamente logo após o nascimento em Belo Horizonte, por meio de portaria judicial, estão com as esperanças renovadas. Ontem, a Corregedoria-Geral de Justiça oficializou a suspensão da medida, solicitada na última segunda-feira.
Mas, até estarem definitivamente com os filhos, uma nova cruzada aguarda essas mulheres. Para conquistar o direito à convivência com as crianças, elas terão que enfrentar ainda uma batalha judicial e comprovar plenas condições para cuidar dos menores.
Como mostrado na edição de ontem pelo Hoje em Dia, o juiz Marcos Flávio Lucas Padula, autor da portaria que previa o abrigamento compulsório, solicitou à Corregedoria-Geral a suspensão e substituição da medida.
Imediatamente
O aval foi publicado ontem e já está em vigor. A decisão põe fim à polêmica determinação aos profissionais da área de saúde e assistentes sociais informarem, em um prazo de 48 horas, que a mãe faz uso de álcool ou drogas ou encontra-se em situação de risco.
Sobre a substituição da portaria, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou, em nota, que a sugestão do novo texto passará por uma análise jurídica e de conteúdo. “Haverá ainda interlocução com os demais órgãos e entidades interessadas”, afirma.
Possibilidades
A suspensão da medida é um alento para as mulheres que já tiveram os filhos levados para o acolhimento compulsório. “É aberta uma possibilidade maior de questionamento da medida. As mães podem tentar tirar os bebês dos abrigos por meio de ação judicial”, explica o membro da Comissão de Direito da Família da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Frederico Queiroz.
Porém, caso o processo de adoção esteja concluído, as chances de reversão são menores, principalmente se a criança estiver adaptada à nova família, alerta a defensora pública da Infância Cível de Belo Horizonte, Adriane da Silveira Seixas.
Mesmo assim, é possível assegurar o contato com os pais biológicos. “A mãe poderá lutar para ficar perto do bebê, mesmo que ele seja mantido com a família adotiva”, afirma Queiroz.
Expectativa
Esse é o maior sonho de Luciana da Silva Bento, de 40 anos. Em 2014, os gêmeos que teve foram tirados dela logo após o parto e adotados dois meses depois. “Parei de usar drogas quando eu estava no início da gravidez. Me tratei e comecei a trabalhar. Tinha um quarto montado para eles. Mas de nada adiantou. Perdi meus bebês”, lamenta.
Mãe de outros três filhos, o mais novo com apenas um mês, Luciana foi proibida judicialmente de chegar perto dos gêmeos. Com o coração calejado, ela mal pode acreditar que ainda consiga ter a guarda das crianças. “Dá esperança, mas não quero ter expectativa. Dói muito”.
Especialistas defendem nova portaria que garanta o convívio entre mulheres e crianças
Após a suspensão da portaria, a expectativa agora gira em torno do conteúdo do novo documento que a substituirá. Para especialistas, as regras devem manter o convívio entre mãe e filho, além de garantir amparo na recuperação das usuárias de drogas. Não há prazo para a finalização do texto.
“A retirada do bebê da mãe tem que ser uma excepcionalidade. Mas quando se tem 48 horas para notificar a Justiça não há tempo hábil para conhecimento da real situação daquela mulher”, frisa a médica Márcia Parizzi, integrante do grupo Mães Órfãs.
Em nota, a Secretaria de Saúde de BH informou que a separação entre mães e filhos deve ocorrer apenas após a comprovação da incapacidade da mulher ou do familiar mais próximo para cuidar da criança.
Diálogo
A Secretaria Municipal de Políticas Sociais disse que, em parceria com outras pastas, buscou um diálogo com o Judiciário e apresentou uma proposta de trabalho com as grávidas em situação de rua. A ideia é identificar preventivamente essas mulheres. “Bem como o encaminhamento delas aos nossos serviços socioassistenciais, sendo que, no momento, nossas unidades de acolhimento abrigam oito mulheres grávidas”, informou o texto.
Porém, para que o apoio às mães gere resultado, é preciso integração da rede composta pela secretaria, postos de saúde e hospitais, além do Centro de Referência de Assistência Social, segundo a tesoureira do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Eleusa Andrade Veiga. “Se não houver essa visão múltipla, outras injustiças ainda podem acontecer”.