( Gaspar Nóbrega)
A psicóloga Sonia Román trabalhou durante uma década nas categorias de base do Santos - sem que quase nenhum torcedor soubesse. Os técnicos de Robinho, Diego e Neymar não tiveram interesse em expor a mulher que preparou emocionalmente as últimas duas gerações vitoriosas de Meninos da Vila. Para driblar treinadores "narcisistas", como ela define, a profissional precisou até esconder as suas consultas em concentrações e na Vila Belmiro.
Não são apenas os técnicos do Santos que se preocupam com as suas imagens. Sonia Román admite que o astro Neymar gosta de chamar a atenção com o cabelo moicano com luzes, as chuteiras coloridas e a cobiça por automóveis luxuosos. Na condição de "futuro melhor jogador do mundo", no entanto, ele tem o aval de sua antiga psicóloga para usar a criatividade para se diferir dos demais atletas também fora de campo.
Neymar foi um dos jogadores do Santos que mais cativaram Sonia Román. Embora jamais tenha apresentado problemas emocionais, o atacante aprendeu com ela a lidar melhor com a ansiedade e até com a sexualidade. Outros garotos, ao contrário, enfrentaram adversidades graves: um deles não conseguia comer porque se ressentia da fome da família, um segundo teve o pai preso e muitos mais enfrentaram quadros de depressão.Nem todas as últimas revelações do Santos, contudo, consultaram-se com Sonia Román. Paulo Henrique Ganso foi um dos que não passaram pelas mãos da profissional, já que acabou integrado rapidamente à equipe principal santista. Para a psicóloga, as lesões do meia não seriam tão recorrentes se ele tivesse se submetido à análise de um especialista. Já o jovem Jean Chera, que rumou precocemente para o italiano Genoa, rejeitou as sessões - e tem uma carreira tortuosa pela frente, na previsão pessimista da psicóloga.
Demitida na gestão do presidente Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro, há exatamente um ano, Sonia Román abordou alguns desses casos no livro "Estou mais leve", lançado no mês passado como um guia para técnicos, professores e alunos. Ela se abriu ainda mais nesta longa entrevista à Gazeta Press, concedida em seu apartamento, em Santos. A psicóloga literalmente sentou no divã para, entre outros assuntos, enaltecer Neymar, detectar um problema de personalidade em Robinho, defender o "meigo" zagueiro Domingos, elogiar o técnico Celso Roth e atacar Antônio Lopes, além de opinar sobre Seleção Brasileira e criticar a religiosidade de Kaká.
Quando surgiu o interesse da senhora pela psicologia esportiva?
Sonia Román: Foi em 1995, dando aulas de psicologia em uma faculdade de Jornalismo. Tive um aluno que praticava judô e nunca chegava às finais de campeonatos. Eu clinicava na época, e conversava muito com ele sobre isso. Certa vez, sugeri: "Com a terapia cognitiva e comportamental, você pode ter bons resultados. Não quer começar a fazer o tratamento comigo, sem grandes pretensões?". Ele aceitou. Deu certo. Lamentavelmente, nunca mais nos vimos após a faculdade.
O convite para trabalhar no Santos veio logo em seguida?
Sonia Román: Primeiro, acabei me especializando na área esportiva. Em 2000, a minha irmã me contou que o Santos estava selecionando currículos de psicólogos para o seu departamento profissional de futebol, que era comandado pelo técnico Giba. Mandei o meu currículo com uma proposta de trabalho, o que chamou a atenção da pessoa encarregada da seleção, o doutor Evandro Trocoli. Ele me perguntou: "Você consegue vender o seu serviço diretamente para o Giba? Consegue mesmo? Então, vamos lá agora". E eu fui, com outro candidato. Mostrei tudo o que queria fazer no clube, e o Giba me aceitou na hora.
A senhora se habituou rapidamente a lidar com jogadores de futebol?
Sonia Román: Sim, sim. É muito fácil trabalhar com os jogadores. Como a concorrência nesse meio é enorme, só ficam os bons desde as categorias de base dos clubes. Esse processo seletivo me parece até selvagem, mas ajuda o meu trabalho. Não é qualquer um, por exemplo, que joga em um time sub-15 do Santos. Com a triagem natural, a psicologia se torna simples, simples, simples. Você consegue trabalhar com muita clareza, já que os meninos chegam previamente preparados. É possível fazer verdadeiros milagres em termos de motivação.
Quando chegou ao Santos, a senhora percebeu esse preparo psicológico já no Robinho, no Diego e em outros garotos daquele time campeão no início dos anos 2000? Foram alguns dos seus primeiros pacientes, não?
Sonia Román: Era a geração de ouro. Sabia que poderia mudar as cabeças desses meninos assim que cheguei ao Santos. Só não imaginava que fosse possível realizar um trabalho tão rico. Em um clube grande, um menino de dez anos já é um jogador profissional. O Robinho e o Diego eram vistos assim e deveriam agir dessa forma. Aprendi muito sobre compromisso quando entrei em contato com esses garotos. Nunca vi um deles sequer faltando a um treinamento. Não existiu um jogo em que um treinador, um massagista ou um preparador de goleiros tenha deixado de ir por algum problema. Isso me chamou a atenção. Na época, pensei: "Aqui, no futebol, estão os perfeccionistas, as pessoas mais obsessivas". Essa dinâmica começou a me apressar. A minha psicologia deveria ser muito dinâmica, sem grandes anamneses GE.Net:
É possível conseguir grandes resultados dessa forma tão imediatista?
Sonia Román: Com a triagem feita naturalmente pelo futebol, você já sabe que não encontrará ninguém com problemas clínicos. É muito difícil ocorrer algo do tipo. Sobram só as dificuldades do esporte: o medo de errar, a ansiedade, a cobrança, a vontade de querer continuar jogando mesmo machucado, a angústia pela pobreza da família... Ou seja, são só alguns tópicos. Não foge muito disso aí. No meu primeiro ano de trabalho no Santos, aconteceu isso, isso e isso. No segundo, os casos se repetiram. No terceiro, eu já sabia exatamente o que encontraria. Assim, é só pegar o filé mignon da sua experiência profissional e aplicar no dia a dia. Como os jogadores já têm aquela prontidão psicológica que citei, você acaba tirando o medo de errar deles em só dez minutos. Posso atingir 70% dos meninos com aquilo que vivenciei anteriormente.
Então, a senhora usou os conhecimentos que teve com o Robinho para cuidar do Neymar? Sempre houve comparações entre os dois, pelo estilo de jogo, a expectativa criada pelas diretorias...
Sonia Román: Os dois têm um talento nato, uma capacidade de criar lances novos. Robinho e Neymar possuem qualidades cogenéticas. Ponto. A partir daí, no entanto, entra a personalidade de cada um. É um fator que pode deixá-los mais ou menos motivados, indo até a zona de conforto, e o meu trabalho sempre foi controlar essa questão. As diferenças entre Robinho e Neymar residem nas mentes deles.
Quais são essas diferenças?
Sonia Román: O Robinho funciona à base da pressão. Se ele vai para o banco de reservas, fica muito chateado e consegue voltar poderoso ao time. O triste é que ele não precisava ter ficado em baixa para conseguir jogar melhor. Com o Neymar, isso não acontece. Ele não precisa ir para o banco de reservas. O trabalho do Neymar é uniforme, com uma motivação constante. Por isso, o Neymar será o melhor jogador do mundo. Se o Robinho tivesse um pouco mais de malícia mental e menos oscilações, ele também poderia ter sido.
O Robinho causou revolta na torcida do Santos quando demonstrou publicamente o desejo de ir para o Real Madrid, da Espanha. Já o Neymar tem lidado com boatos parecidos com extrema cautela, ressaltando que tem vontade de permanecer no Brasil por um período maior. Ele aprendeu com o que ocorreu no passado, foi orientado a agir dessa maneira ou é mais um sinal de diferença mental entre os dois jogadores?
Sonia Román: Para ser bem sincera, independentemente do modo de se portar com a situação, acho que está na hora de o Neymar ir embora para a Europa. Não há mais espaço para ele no Brasil. Ah, não. Aqui, ele já conquistou tudo. Ele é o futuro melhor jogador do mundo, e acho muito mais difícil que consiga isso continuando no Santos. É importante partir para conquistas maiores, pois tudo passa muito rapidamente no futebol. O Neymar também precisa de um intercâmbio cultural para crescer como homem, saber outros idiomas - e os atletas aprendem as diferentes línguas com facilidade. Jogadores de futebol são inteligentes, abertos, puros...
Inteligentes também? Existe certo preconceito por parte da sociedade...
Sonia Román: É primordial que essas pessoas entendam: temos várias inteligências. O jogador de futebol possui a chamada inteligência sinestésica. Cobram dele uma inteligência verbal, que ele não tem. Mas ele conta com a inteligência do corpo. Enquanto você se desenvolve muito bem verbalmente, o atleta é esperto com os pés e as pernas. Sei que ainda existe gente que acha um jogador burro porque ele não sabe se pronunciar tão bem. Mas isso é má informação do público.
Quando o Neymar ignora política para dizer que os maiores sonhos dele são um Porsche amarelo e uma Ferrari vermelha, ele não colabora com essa concepção da sociedade? Como a senhora preparava emocionalmente meninos pobres para enriquecerem?
Sonia Román: A vontade de ter carrões é normal nos meninos. Aceito incondicionalmente. Os primeiros carros que os atletas têm são os tênis. Eles compram pares de tênis alucinadamente. Como ainda não podem dirigir antes dos 18 anos, a fixação são os calçados. É um par mais lindo do que o outro. Depois, os objetos de cobiça passam a ser os carros. Isso é deles. Os jogadores de futebol têm poucas folgas para passar em casa. Na maior parte do tempo, estão dentro dos seus automóveis, indo e voltando. Nos carros, a gente encontra o mundo deles: o aparelho de som, os pagodes... Você vê: o Neymar foi para o Rock in Rio logo depois de um jogo e já voltou a treinar no dia seguinte. É corrido. Portanto, que sejam bem-vindos os carros luxuosos. Por que não seriam? Eles têm dinheiro para comprar, e os carros estão no mercado. E, se não me engano, o pai do Neymar só libera os carros mediante a construção da carreira no Santos e na Seleção Brasileira.
Sim, o pai administra o dinheiro que o Neymar recebe e dá prêmios de acordo com metas alcançadas. De quase R$ 500 mil, o filho fica com uma mesada de cerca de R$ 10 mil. Sonia Román: O Neymar tinha um Volvo. Para trocar de carro, ele precisava ganhar com a camisa da Seleção Brasileira, fazer isso e aquilo. É um plano de carreira: você vai crescendo e ganhando carros. Isso é fenomenal, não? É lindo. Conheço outra história sobre esse lado, que não sei se é real. Quando o Neymar era pequenininho, com uns oito anos, ele ficava com preguiça de jogar nas manhãs chuvosas. Aí, resmungava: "Ah, pai, está chovendo, fazendo frio. Ninguém vai jogar". E o pai dizia: "Filho, você é o Neymar. Você é diferente dos outros. Precisa ir". Talvez essa estabilidade motivacional que o Neymar possui venha do pai.
Com a parte financeira resolvida, como fica a questão da fama? Aonde vai, o Neymar é perseguido por garotas histéricas. A senhora tentou ajudá-lo a lidar melhor também com a sexualidade?
Sonia Román: Sempre procurei mostrar que a nossa vida é como uma pizza, toda fatiada. Se a fatia de sexualidade, de namoro, for maior do que a profissional, você não vai dar certo no futebol. Mas o assédio feminino aos atletas já está intrínseco na nossa cultura. Jogador de futebol é querido. As meninas gostam deles. Isso até pode acarretar em problemas na escola, como ciúmes por parte de outros meninos, rejeição de gangues. Até porque, mesmo não sendo um craque como o Neymar, os atletas são muito procurados pelas mulheres. O próprio clube não sabe colocar um limite muito claro nessa questão. Vejo meninos com 12, 13 anos ouvindo de empresários e pessoas que estão em volta: "Você vai ter tudo, será o cara, conseguir o que quiser". A gente corre o risco de criar narcisistas dessa forma.
E o visual excêntrico do Neymar? Tem alguma relação com o que a senhora está falando?
Sonia Román: Isso também é dele. Uma pessoa comum não tem a arte dos jogadores de futebol. Os comuns somos o meu vizinho, eu... O Neymar foge do comum. Atletas como ele têm alma de artista, criatividade, enriquecimento intuitivo. Eles são, como posso dizer... Existe uma palavra para definir bem...
Irreverentes?
Sonia Román: Irreverentes! Os craques são irreverentes. Não tirem isso do Neymar. Pessoas como ele se situam, sim, em uma escala narcísica. Para uns, essa escala é muito alta e pode desmerecê-los profissionalmente. Para outros, não é algo destrutivo. Se você é produtivo como o Neymar, tem os direitos de chamar a atenção e até de algumas regalias. Ele fez por merecer. É um craque, diferenciado. Querer colocar alguém como o Neymar em uma redoma, padronizando-o com todos os demais, é roubar o que ele tem de melhor.. Ele escreveu isso com a letrinha de forma dele, pensando bem antes de colocar a mensagem no papel, com o maior amor. Convivi com muitos jogadores importantes, e sei que a maioria não dá muito retorno. O Neymar me deu. Ele é especial, um xodó para mim.
Com a experiência de quem conhece o Neymar tão bem, a senhora acha que alguns dos temas que tratamos podem prejudicá-lo emocionalmente? Refiro-me às especulações, ao assédio, às cobranças para ser o principal jogador da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 2014...
Sonia Román: Não. Com os craques, não existe grande dificuldade emocional. Você pode confirmar isso na prática: houve aquele caso com o técnico
A senhora mencionou a briga com o Dorival Júnior, que impediu o Neymar de cobrar um pênalti em uma vitória sobre o Atlético-GO. Na época, o técnico Renê Simões disse que o jogador do Santos estava sendo criado como um "monstro".
Sonia Román: Não vi problema nenhum naquele episódio. O Neymar era um menino, um craque, com a vaidade pessoal dele. Se você tira a bola de alguém assim, ele responde sem ser passivo. Todos os craques fariam o mesmo. O técnico do Santos deveria ter definido o cobrador do pênalti antes do jogo. Se o Neymar não estivesse preparado para bater, que tivesse sido avisado. Não era necessário passar por aquele constrangimento em campo. Ele poderia ter sido instruído a treinar mais penalidades. Porque isso é técnica, e não talento. Foi um pouco de ingenuidade do técnico. Penso assim. Ingenuidade. E pronto.
Mas o Neymar não amadureceu com esse episódio? Não serviu como um aprendizado para ele enfrentar melhor eventuais problemas emocionais?
Sonia Román: Craque não tem ansiedade. O Neymar entrava em campo com 17 anos e já fazia o que queria com a bola, sem se preocupar com nada. Eles não têm tantas dificuldades emocionais, como falei. Quando dizem que um craque está ansioso, é mentira.
Ou, então, esse jogador ansioso não é um craque.
Sonia Román: O que também quero dizer é que um craque tem uma estrutura maior como suporte. Ele ganha dinheiro desde os 12, 13 anos, sem passar por dificuldades financeiras, com um estafezinho por trás. É muito mais difícil trabalhar com os meninos que não são craques e estão lutando, sem aquele talento natural, desenvolvendo capacidades à base de trabalho. Estes têm uma gama imensa de aflições: vão dos calmos aos desesperados.
Desesperados?
Sonia Román: No Santos, tivemos o caso de um desesperado que não conseguia nem comer. Ele tinha 12 anos e não engolia nada. Dizia que, a cada garfada que dava, lembrava da fome que a família passava na Bahia. Também trabalhei com famosos, cujos nomes não posso revelar, que ficaram três ou quatro anos no clube sem conseguir visitar seus parentes, pois moravam muito longe. Então, os Natais deles eram sempre chorosos. Outro atleta conhecido, assim que se tornou profissional, teve o seu pai preso. Ele ficou muito abalado com isso. Mais uma de um jogador famoso: um dia antes de uma final de um campeonato sub-15, ele soube que a pessoa que chamava de pai não era o pai verdadeiro.
É possível empregar a psicologia dinâmica que a senhora apregoa nesses casos mais extremos?
Sonia Román: Com todos esses problemas que contei, nenhum deles deixou de jogar. O menino soube que o pai dele não era o pai verdadeiro um dia antes de jogar! E foi lá e jogou! Futebol é questão de sobrevivência. Alguns pais exigem que seus filhos joguem bem. Do contrário, haverá castigos. É uma grande ânsia para conseguir alguma coisa na vida. Em outros esportes, os atletas geralmente estão lá por opção. Um tenista, na maioria dos casos, pode querer ou não jogar. Ele tem uma série de profissões a seguir: no escritório da mãe, na clínica do pai e por aí vai. No futebol, não é assim. Os meninos vão praticar futebol porque gostam e têm habilidade para isso, mas principalmente porque almejam ascensão social. Isso acontece com pelo menos 80% dos garotos.
Os casos dos jogadores "desesperados" contados pela senhora me fizeram lembrar do zagueiro Breno, que está no Bayern de Munique, na Alemanha.
Sonia Román: O que aconteceu com ele?
Foi preso, acusado de incendiar a própria casa.
Sonia Román: Nossa! Eu não sabia!
Um dos possíveis motivos para o incidente seria depressão. A senhora disse que o Neymar está mais do que preparado para morar na Europa. Pode ocorrer exatamente o inverso com outros jogadores brasileiros?
Sonia Román: Alguns vão precocemente para a Europa. Aquilo não é para todo mundo. No Brasil, mesmo que você não seja tão bom, acaba sendo muito badalado. Isso é natural do nosso povo, que abraça bastante. Na Europa, a coisa é mais comercial. Se você não joga bem, acaba no banco de reservas e fica fora da equipe. Um dos fatores motivacionais para os atletas irem aos times europeus é o dinheiro. Só que o dinheiro deixa de ser motivacional muito rapidamente. Depois que você começa a ganhar um alto salário e atinge o seu objetivo, terminou a motivação. Então, se não houver outros fatores e pessoas para te apoiarem, o seu grau de motivação desce para zero. Aí, o jogador entra em zona de conforto, desânimo, tristeza e até depressão.
O Mário Fernandes, do Grêmio, alegou que estava depressivo para recusar uma convocação para a Seleção Brasileira.
Sonia Román: O caso dele pode ser de depressão, sim. Por que não? Mas depressão é tratável e não atinge tantos jogadores. O maior problema no futebol é a ansiedade, que aflige 60% dos atletas.
Dos jogadores com quem a senhora trabalhou no Santos, quais foram os mais bem preparados para enfrentar a ansiedade? Mesmo com aquela predisposição dos craques para lidar com os problemas emocionais, eles eram abertos à psicologia?
Sonia Román: Entre os que complementaram os lados do ídolo e do talento com o caráter e a personalidade, cito Diego e Neymar. Eles são preparados por inteiro. Falo muito do Neymar, mas o Diego sempre foi amoroso com a psicologia. Ele vinha até mim, conversava, pedia conselhos. A maioria dos jogadores sente vergonha.
Vergonha? Como a senhora atuava com esses atletas?
Sonia Román: Vergonha. São muitos os casos assim. Um ídolo famoso, que prefiro não dizer o nome, já me pediu para atendê-lo em um cantinho reservado, trancado a sete chaves. Ele me implorava para que tudo ficasse sob sigilo absoluto.
Mas os problemas desse ídolo eram tão graves assim?
Sonia Román: Que nada. Eram problemas corriqueiros, bobos, do futebol. Tipo assim: "Não estou jogando tão bem. O que aconteceu?". Aí, eu tinha que detectar os motivos para ajudá-lo a melhorar.
Depois de resolvidos os problemas, os jogadores te davam retorno?
Sonia Román: Alguns me dão retorno até hoje. O Domingos, por exemplo, é o mais gracinha. A gente ainda se fala bastante.
O Domingos recorreu à senhora quando ficou com aquele estigma de violento em campo?
Sonia Román: O Domingos era um desses meninos que não passavam os Natais com os pais. Ele sempre foi muito sofrido nesse aspecto. É uma pena que as pessoas não entendam o coração dele. Fizeram uma mídia muito errada com ele. O atleta mais coração que atendo é o Domingos.
Curiosamente, ele tem uma imagem de xerifão...
Sonia Román: Errado.
De malvado...
Sonia Román: Errado.
De truculento...
Sonia Román: Errado. Até te apresento um dado interessante: o Domingos foi o único jogador que, depois de virar profissional no Santos, fez questão de sempre voltar à base só para me ver. O único. Muitos deles não olham para trás. Entendo isso, até porque a carreira é complicada, cheia de fases doídas. Mas o Domingos nunca me esqueceu. Ele me liga até hoje: "Dona Sonia, estou precisando de um negócio aí! Dá para me ajudar?". Ele é lindo, lindo, lindo. Deveriam fazer justiça a esse menino na mídia. Nada do que falam a respeito dele representa o que ele é.
Como o Domingos deveria ser definido?
Sonia Román: Ele não é malvado, bruto. É um guerreiro, uma estátua de ferro, com uma constituição física perfeita. Tenho a sensação de que o Domingos é alguém com absoluto poder físico. Bater nele é um perigo. Talvez essa força seja genética ou provenha da infância humilde dele. Nunca vi esse menino machucado. Não existe essa possibilidade. Por que ninguém dá valor ao fato de o Domingos nunca se lesionar, de ser pau para toda a obra? Ele é um homem forte. As pessoas não entendem isso, infelizmente, não é?
Enquanto o Domingos dificilmente se machuca, o Paulo Henrique Ganso tem sofrido com as lesões. O problema dele é psicológico?
Sonia Román: Sim. Algumas coisas do Paulo Henrique Ganso podem ser melhoradas. Ele é instável. Consegue fazer uma partida magistral em um dia, o que é a verdade dele, mas se mostra apagado no jogo seguinte. Tudo o que um atleta aprendeu tecnicamente fica gravado no cerebelo, na caixa da coordenação motora. Então, se o Ganso tem técnica e habilidade, isso está guardado lá dentro. Não pode ser roubado. Portanto, se ele joga tão bem em uma partida e mal na outra, só pode ser problema psicológico. Se ele tivesse batido com o carro e machucado a cabeça, tudo bem, o armazenamento técnico poderia ter sido afetado. Mas, não. Desse jeito, só sobra a psicologia para explicar.
E as lesões? Penso que sejam o maior problema do Ganso.
Sonia Román: Quando ele está muito ansioso, os músculos ficam bem endurecidos. O Ganso, então, acaba sujeito a sofrer sequelas nos jogos. O fato de estar na zona de conforto também pode afetá-lo. Para jogar bem constantemente, é preciso encontrar um ponto ideal de motivação.
A senhora não trabalhou isso com ele, nas categorias de base do Santos?
Sonia Román: Nem o conheci, infelizmente. Parece que o Ganso chegou ao Santos diretamente para o time sub-20, por intermédio do Giovanni. Ele não teve a oportunidade de trabalhar comigo. É uma pena, pois o considero um jogador muito grandioso.
O Ganso poderia ter se tornado um jogador melhor se tivesse se consultado com a senhora?
Sonia Román: Não posso dizer exatamente o que faltou para ele. Só sei que o problema dele é psicológico. Restam algumas coisas para jogá-lo para cima.
Não é o caso do Ganso, mas foram muitos os jogadores do Santos que recusaram as sessões de psicologia?
Sonia Román: Alguns meninos me procuraram espontaneamente no Santos. Outros foram obrigados pelos pais. Uma parte deles não quis me ver. Mas uma coisa garanto: muitos não teriam caído no futebol se tivessem feito psicologia. Você olha para os garotos e fala: "Você vai cair, cara". Eles não percebem isso. É lamentável. Depois, com 24 ou 25 anos, esses atletas voltam ao Santos porque se machucaram, para fazer fisioterapia. Quando me veem, eles me abraçam e literalmente despencam no meu ombro, aos soluços, dizendo: "Por que não me obrigaram a me consultar com a senhora? Dona Sonia, por quê? A gente era criança e não entendia". Olho bem para eles e falo: "Eu sei".
O Jean Chera era um jovem em quem o Santos apostava muito, assim como foi com Diego, Robinho, Paulo Henrique Ganso e Neymar. Mas ele não renovou contrato neste ano e foi precocemente para a Europa, para o Genoa, da Itália. A senhora conversou com esse jogador ou ele é um dos que rejeitaram a psicologia?
Sonia Román: O Jean Chera é um dos poucos meninos com quem nunca falei. Sempre acharam que não precisava. Respeitei.
E não precisava, de fato?
Sonia Román: Não vejo para o Jean Chera a mesma luz que enxergo para o Neymar., por exemplo, tem futuro na Europa, pois conta com excelentes pais, batalhadores, humildes e receptivos à psicologia. O Gabriel só ganhou com a psicologia.
A senhora já falou que alguns jogadores preferiram não te escutar. Havia também técnicos que não queriam o seu trabalho no Santos?
Sonia Román: Isso é um absurdo, não? Mas era comum. Os técnicos até dão valor para a psicologia. O problema é que eles querem ser os psicólogos, sem ter formação nenhuma para tal. Alguns deles me proibiram de trabalhar. Tenho até medo de falar os nomes desses treinadores, pois posso arrebentar a minha carreira com uma entrevista assim. Mas o que fiz contra eles? Trabalhei escondida. Sim, trabalhei escondida no Santos. Eles não me queriam. Não tinha outro jeito.
Os técnicos impediam as suas consultas mesmo que fossem da vontade de determinados jogadores?
Sonia Román: Upa! Upa! E como! Houve técnico que me falou o seguinte: "Se a senhora fosse importante, já teriam me apresentado". E você tem que olhar para ele e dizer: "Sim, senhor, professor". Porque eu seria despedida na hora se respondesse: "O que você está pensando?". E eu não queria largar os meninos. Tive percalços grandiosos, situações em que fiquei de cabeça baixa diante de treinadores narcisistas. Eu sabia que, contra técnicos narcisos, perderia uma disputa na hora. Fiquei de cabeça baixa para eles. Sem pudor nenhum.
Sei que a senhora não quer revelar o nome desse técnico para quem abaixou a cabeça. Mas estamos falando do Emerson Leão?
Sonia Román: Ah... É que... Existem muitos técnicos assim, na verdade. Houve um que me pediu para viajar com o time do Santos: "Você vai com a gente, viu? Pode se aprontar". Aí, ele mandou o ônibus sair mais cedo e me deixou na concentração, de malas prontas. Sem falar de um técnico que depois ficou famoso e, dois jogos antes de ganhar um título, dispensou o meu trabalho para eu não aparecer na festa da conquista.
Durante uma década de atuação no Santos, não houve um técnico sequer que foi receptivo à senhora?
Sonia Román: Tivemos um técnico maravilhoso: Celso Roth. Ele me deixava ir ao hotel do Santos. Os meninos me chamavam, eu atendia e ia embora. O Celso Roth foi o único que me deixou livre para trabalhar. Por outro lado, quantos técnicos passaram pelo clube e quantos estão famosos até hoje, com constância de resultados? Campeonatos ocasionais não provam a capacidade de um profissional. É aí que questiono: será que, se tivessem me dado abertura, não estaríamos todos fazendo mais sucesso? Eu, por ter conseguido uma janela maior. E eles, por escutarem aquilo que acho que devo falar. Ou melhor, aquilo que tenho que falar.
Os jogadores têm mais facilidade para ouvir os conselhos de um psicólogo do que os de um técnico?
Sonia Román: Para o psicólogo, o jogador pode falar exatamente o que está sentindo. Se ele diz para um técnico que está com medo de errar, o que vai ouvir como resposta? O treinador certamente irá reprimir: "Então, sai do time, c...! Você não tem colhão para jogar!". O jogador não pode se abrir. Às vezes, está se tremendo todo, mas não fala nada. Já eu, como psicóloga, deixava os meninos em uma pilha maravilhosa de motivação. Eu pegava um moleque do sub-15, que não estava indo nem para o banco de reservas, e fazia com que ele jogasse como titular. Isso virava uma verdadeira rebelião positiva no elenco. A psicologia tem muita importância no futebol. Como a maioria dos técnicos é vaidosa, entendo que os psicólogos fiquem mais nos bastidores. Sem problemas. Ninguém quer aparecer mais do que os treinadores.
Ao menos os dirigentes de clubes dão importância para a psicologia esportiva?
Sonia Román: Não, não, não. É uma pena. Fico triste por saber que os clubes não dão valor, sendo que chegamos a um nível de psicologia muito alto na área esportiva. Tenho certeza absoluta de que muitos meninos deram certo no Santos e no futebol brasileiro porque fizeram uma boa psicologia. Não adianta negar. Não posso tirar os meus méritos. Não falo nomes de jogadores, por ética e porque nunca cresci em cima de um menino. Não seria agora que faria isso. Mas muitos famosos trabalharam, sim, comigo. O desempenho deles tinha caído e melhorou em minhas mãos.
A senhora teve mais liberdade para trabalhar na gestão do ex-presidente Marcelo Teixeira?
Sonia Román: Eu trabalhava mais do que seis horas diárias na época dele. Viajava, acompanhava o time. Nessa administração atual, em que fiquei um ano, os horários eram mais rígidos e eu ficava praticamente reclusa na minha sala. Fazer o quê? Devo me adequar ao chamamento do clube. A diretoria nova não me conheceu. Eles me mandaram embora em outubro do ano passado, e não deu tempo de fazer muita coisa. Lamento.! Meu telefone circula entre eles. Alguns vêm até a minha casa, outros me ligam, ou os empresários deles me procuram. Eu vou me adequando às necessidades de cada um. Também dou palestras. Falei com o grupo do Linense recentemente, e esses meninos não perderam mais. Algumas pessoas conhecem o valor da psicologia. Muitos craques do Santos e de outros clubes só se levantaram por causa desse alicerce. Estou cansada de ficar nos bastidores. Tenho que dar um pouco de valor para mim. A psicologia formou grandes jogadores de clubes e Seleção Brasileira.
Por falar em Seleção, por que o time do Mano Menezes ainda não é uma unanimidade? O excesso de jovens, como Neymar, tem prejudicado?
Sonia Román: Não acho que seja nervosismo. É zona de conforto. Eles ficam lá, todos se achando. Acontece, infelizmente.
Como reverter esse quadro?
Sonia Román: Os técnicos devem se adaptar ao perfil dos jogadores. Os craques precisam de liberdade de expressão e não funcionam à base de pressão - eles espanam, o humor deles não fica bom quando o trabalho é conduzido dessa forma. O Dunga falhou nisso na Seleção Brasileira: com muita tática e pouca criatividade, você mata os seus atletas mais talentosos. Já os outros meninos são inteligentes, jogam à base de trabalho e gostam de esquemas táticos. O bom treinador grita com os seus soldados e dá liberdade para os seus criativos.
Existe um técnico que consiga aliar essas duas características?
Sonia Román: Rapaz... Eu gostava do Felipão, mas fiquei triste quando ele disse que um menino poderia errar no treinamento, e não no jogo. Não existe um atleta que acerte 100%. Não consigo me lembrar de nenhum técnico que eu diga: "Esse é o cara".
Já a senhora se entusiasma para falar de futebol como uma verdadeira técnica.
Sonia Román: GE.Net: Após a Copa do Mundo de 2006, o Vanderlei Luxemburgo apontou o choro do Juninho Pernambucano durante a execução do Hino Nacional Brasileiro, em partida contra a França, como prova de desconcentração. É um exemplo para o que a senhora disse?
Sonia Román: Não vejo dessa forma. Quando jogou pela Seleção Brasileira em Belém, o Neymar também se emocionou com o hino. E foi bem. Alguns momentos realmente mexem com o coração do atleta. O fato de o Juninho ter chorado só me garante que ele é muito rico emocionalmente. Nossa, o que o Luxemburgo disse não tem nada a ver. No meu livro, mostro que o Juninho era o único motivado naquela Copa do Mundo. Ele ficou muito chateado com a derrota para a França, enquanto a maioria não estava nem aí para nada.
Por que ocorreu esse desinteresse?
Sonia Román: Motivação mal trabalhada. Muita gente ficou na zona de conforto, machucada. Alguns jogadores não estavam fisicamente prontos nas últimas duas Copas e não souberam ser dignos como o povo brasileiro merece. Não acredito que o Kaká tenha falta de caráter por jogar sem as melhores condições. Ao contrário. Ele deveria estar acreditando tanto em um deus milagroso, que se ferrou. Por melhor que seja esse deus dele, é preciso de tempo para estar curado. Deus não cura ninguém de um dia para outro. Ele pode te dar bons médicos, fisioterapeutas, discernimento, mas não esse tipo de cura. Isso não existe.
A religiosidade é prejudicial aos jogadores?
Sonia Román: É perigosa quando mal trabalhada. Deus fala: "Olha que Eu te olharei". Não é: "Fique tranquilo, que Eu te olho". Sei que o Kaká aponta para o céu para agradecer a Deus quando marca um gol. Mas deveria apontar primeiro para ele mesmo. Tipo assim: eu fiz o que Deus espera de mim. É completamente o oposto de apontar para o céu, como se dissesse: "Obrigado, foi Você quem fez o gol". Quando muito, o Kaká deveria apontar para si e, depois, para Deus. A religiosidade te tira a noção de certas coisas.. Deus é trabalho, comprometimento. O cara está em zona de conforto e quer que o Homem resolva? Está errado. Se o poder de resolver todas as coisas fica com uma entidade, você perde o controle da sua vida, do seu desempenho. Afinal, quem produziu não foi você. E se o Homem estiver muito ocupado? Como fica? Para mim, o Kaká errou nessa questão. Se tivesse uma lesão pequenininha, legal, Deus vai ajudar. Uma inflamação pubiana complicada e um problema no joelho? Ih, rapaz, essa ajuda não demora menos de um mês. Que crença é essa que te faz sofrer depois?
Para a senhora, portanto, o Brasil perdeu as duas últimas Copas por despreparo psicológico e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) precisa dar mais atenção à área.
Sonia Román: Quando o Brasil perdeu para Camarões nas Olimpíadas de 2000, a psicóloga Suzy Fleury saiu com os olhos lacrimejando. O coordenador técnico resolveu demiti-la, pois achou que um psicólogo não deve chorar. Então, médico não pode ficar doente? Esse cara é louco, meu? Qual é mesmo o nome dele?
Antônio Lopes?
Sonia Román: Ele mesmo, um técnico que falou besteira e não ganhou nada. A besteira foi tamanha que, no currículo, ele não tem conquistas suficientes para mostrar o contrário. Sabe o que está faltando para ele e para muita gente no futebol?
O quê?
Sonia Román: Psicologia.