Artistas negros buscam espaço em um meio que ainda exclui afrodescendentes

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
02/02/2017 às 19:51.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:40

Daniel Protzner/Divulgação / N/A

“Oratório – A Saga de Dom Quixote e Sancho Pança” tem sessão dia 10, às 20h30, no Grande Teatro do Palácio das Artes

 Com o amplo protesto da comunidade negra contra a predominância de brancos entre os indicados ao Oscar de 2016, os votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood não só incluíram atores negros na disputa deste ano, cuja cerimônia acontecerá no dia 26, como também deram relevo à questão racial, nomeando três documentários que chamam a atenção para o tema. Mesmo assim, em Minas, o espaço para artistas e temas afrodescendentes está longe de ser o ideal.

Um dos filmes concorrentes à estatueta dourada, “Estrelas Além do Tempo”, está em cartaz nos cinemas. Outros dois títulos – “Moonlight: Sob a Luz do Luar” e “Um Limite Entre Nós” – estreiam dia 23 e em março, respectivamente. Em Minas, o lugar do negro na sociedade pauta alguns espetáculos da 43ª Campanha de Popularização Teatro & Dança, como “Madame Satã” e “Oratório – A Saga de Dom Quixote e Sancho Pança”.

À frente de “Oratório”, que retorna à Campanha no dia 10, no Grande Teatro do Palácio das Artes, o músico e ator Maurício Tizumba diz que se pode contar nos dedos o número de espetáculos com e sobre negros. “Quero deixar claro que criei a companhia Burlantis para gerar emprego. Hoje só trabalhamos com negros, o que não quer dizer que amanhã não teremos brancos”, afirma.

Tizumba registra que, em relação a uma época que se fazia “black face” (brancos com caras pintadas, geralmente com escárnio), muito coisa mudou, lembrando que hoje são vários os grupos de artistas negros em Belo Horizonte. Um deles é o Grupo dos Dez, responsável por “Madame Satã”, que tem no elenco Evandro Nunes, de longo currículo na cena teatral mineira, com 25 anos de estrada.
 

Cena Paralela

Evandro lembra que, de uns 15 anos para cá, festivais e coletivos foram criados, mas “as coisas continuam na mesma”, com o negro permanecendo na “cena paralela, sem espaço no teatro quando não monta seu próprio espetáculo”.

Todas as segundas-feiras, a partir das 20h, artistas negros promovem a “Segunda Preta” no teatro do grupo Espanca!. “É uma forma de os artistas negros de Belo Horizonte e região mostrarem o trabalho. E temos tido casa cheia”, ressalta o ator Evandro Nunes

Ele lamenta que os anúncios de testes para peças e filmes ainda deixam bem claro as diferenças raciais. “Quando se lê ‘precisa-se de um ator de 30 anos’, esse papel será de um branco. Do contrário, dizem ‘ator negro’”.

Evandro sublinha que ser ator está acima de pertencer a uma raça. “Posso desempenhar qualquer papel. Essa é a minha função, mas não vêem isso. Se você pensar nos filmes brasileiros lançados nos últimos anos, há poucos protagonistas negros. Na própria Campanha, há pouquíssimos negros. Até outro dia, ainda faziam black face, dizendo que era uma homenagem”, lamenta o ator.

Polêmica
Ele está se referindo à comédia “Trem de Minas”, de Leo e Leo, que usam a pintura como, segundo eles, homenagem à mãe preta que tiveram na infância.
Em janeiro, ao fim de uma apresentação na Campanha de Popularização, atores negros entraram e conversaram com atores e público sobre a questão da representação negra. “Nos reunimos de forma respeitosa, pagamos o ingresso, esperamos até o final e fizemos nossas considerações”, lembra Evandro.

 GUTO MUNIZ/DIVULGAÇÃO / N/A

Denilson Tourinho é um dos protagonistas do espetáculo "Madame Satã"

 Representatividade e empoderamento são palavras de ordem

Também presente no elenco da peça “Madame Satã”, Denilson Tourinho ressalta que hoje as palavras “representatividade” e “empoderamento” estão muito frequentes no vocabulário da sociedade.

“Empoderamento pode ser lido como tomar o poder, que é a proposta da negritude em algumas instâncias, mas também significa ‘poder estar em cena’, ‘poder estar produzindo’”, destaca Denilson.

Toda essa preocupação, segundo o ator, acaba reverberando na cultura. Ele cita peças teatrais com temática negra que lotaram espaços de muitos assentos, como o Grande Teatro do Palácio das Artes e do Sesc Palladium.

Foi assim com “O Topo da Montanha”, com o casal Taís Araújo e Lázaro Ramos, e também com “Madame Satã”, que retorna à programação da Campanha de Popularização Teatro & Dança no dia 14, no Galpão Cine Horto.

Letramento racial
Apresentado, na semana passada, no Sesc Palladium, Denilson ouviu de um funcionário do espaço que “Madame Satã” foi a peça que mais levou público até agora. “E quando você olha para a plateia, a maioria é formada por negros”, observa.

Para ele, tudo passa pelo letramento racial – quanto maior o acesso, em escolas principalmente, menor será o preconceito. “Os graus de letramento são muito diferentes, até mesmo entre os negros”, observa.

Denilson aproveitou os esforços para a abertura de espaços para os negros, como Festival de Arte Negra (FAN) e diversos coletivos, para desenvolver a sua carreira. “Criaram-se mecanismos para driblar situações de dificuldade”, constata.

Espaço de exceção
O ator se diz ocupante de um espaço privilegiado, entre os negros, ao ter uma atuação constante na publicidade, participando de campanhas nacionais de grandes marcas.

“É um espaço de exceção, pois são poucos os negros que conseguiram um lugar como esse no mercado mineiro, especialmente o de Belo Horizonte”, avalia.

Serviço: “Madame Satã “ – De 14 a 19 de fevereiro, de terça a sábado, às 20h30, e domingo, às 19h, no Galpão Cine Horto (rua Pitangui, 3613, Horto). Ingresso: R$ 12 (nos postos Sinparc)

 CARLOS RHIENCK/ARQUIVO HOJE EM DIA / N/A

Para Alexandre Silva, "as conquistas vão muito pelo esforço do próprio negro”

 Engajamento pode ajudar a combater preconceitos

O diretor de dublagem Alexandre Silva observa um engajamento mais acentuado dos atores negros fora do Brasil, como nos Estados Unidos. A razão está num preconceito racial historicamente declarado.

“Isso pode soar como uma coisa ruim, mas o pior para mim é o que acontece no Brasil, em há um preconceito velado. Ele existe, porém fazem de tudo para provar que não existe”, registra Alexandre.

Embora enxergue uma maior conscientização da comunidade negra sobre seus valores, lamenta que ela não esteja presente na cultura como um todo. “As conquistas vão muito pelo esforço do próprio negro”.

Recentemente Alexandre foi convidado para participar de uma peça por ser “negro”, como se entrasse numa espécie de cota racial. “Chamam porque é preciso ter um negro no elenco”, assinala.

Competência
Para Alexandre, não é uma questão de ser negro ou branco. Mais do que cores de pele, o que deve prevalecer é a competência. “A pessoa tem que buscar o seu espaço, o seu lugar ao sol, vamos dizer assim”.

Na área de dublagem, ele garante que os negros têm seu espaço, “mil vezes mais democrático”. A explicação para isso é simples: o que importa é a voz, não sendo possível ver o rosto de quem dubla.

“As pessoas são valorizadas ou chamadas de acordo com a qualidade vocal, com a qualidade artística. Isso já basta, embora, algumas vezes, o negro tenha uma voz mais característica, potente”, pondera.

Alexandre lembra da vez em que convidou um ator branco para a dublagem de um personagem negro e, na hora H, a voz “não bateu” com o que se via na tela. “O que vai determinar é se a voz veste o personagem”.

 PARAMOUNT/DIVULGAÇÃO / N/A

Denzel Washington e Viola Davis contracenam em “Um Limite Entre Nós”

 Denzel Washington é o grande favorito ao Oscar de melhor ator

Com a premiação do Sindicato dos Atores de Hollywood, o Screen Actor Guild (SAG), no último domingo, Denzel Washington se torna o grande favorito para ganhar a estatueta dourada no próximo dia 26. Entregue desde 1994, o SAG só destoou quatro vezes em suas escolhas, na comparação com o Oscar. Em 2000, Benício del Toro ganhou por “Traffic”, mas quem levou o Oscar para casa foi Russel Crowe (“Gladiador”). Na edição seguinte, Crowe (“Uma Mente Brilhante”) foi o melhor ator do ano para o sindicato, com Denzel Washington (“Dia de Treinamento”) subindo no palco para buscar o principal troféu da indústria. Em 2002, a Academia preferiu Adrien Brody (“O Pianista”) a Daniel Day-Lewis (“Gangues de Nova York”). Por fim, em 2003, a Academia optou por Sean Penn (“Sobre Meninos e Lobos”) a Johnny Depp (“Piratas do Caribe – A Maldição do Pérola Negra”). Se vencer por “Um Limite Entre Nós”, Denzel Washington receberá a sua terceira estatueta.

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Taraji P. Henson, Octavia Spencer e Janelle Monae estão em “Estrelas Além do Tempo”

 Três atrizes negras disputam a estatueta de melhor coadjuvante

A atriz de “Um Limite Entre Nós”, Viola Davis, também saiu vencedora do SAG, como melhor coadjuvante. Nessa categoria, estão outras duas atrizes negras: Naomi Harris (“Moonlight: Sob a Luz do Luar”), em sua primeira indicação, e Octavia Spencer (“Estrelas Além do Tempo”), ganhadora do Oscar em 2012, por “Histórias Cruzadas”. “Estrelas Além do Tempo” recebeu ainda o prêmio de melhor elenco no SAG, categoria inexistente no Oscar, mas considerada a mais importante pelo SAG por reunir bons desempenhos num mesmo filme. O longa, que estreou ontem nos cinemas, acompanha a história de três matemáticas americanas da Nasa que se tornaram heroínas ao ajudarem os Estados Unidos a vencer a corrida espacial sobre a então a União Soviética, na década de 1960. “Estrelas Além do Tempo” foi produzido pelo cantor Pharrell Williams.

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