Bastidores da Olimpíada

10/08/2016 às 08:23.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:16

Entre o ufanismo cego de alguns Brazucas, e a má vontade quase regozijante de certos estrangeiros, é preciso encontrar o caminho correto, julgar com sabedoria e bom senso; longe dos clichês, mas sem perder o espírito crítico, a imparcialidade. Cheguei ao Rio no dia da abertura, pela manhã. A cerimônia que marcou o pontapé inicial dos jogos foi bonita; talvez tenha sido levemente superestimada por parte da imprensa local, mas enfim... Começamos bem, passamos no teste inicial. Agora, a partir daí... Nos bastidores da Olimpíada, no cotidiano, na logística criada para os jornalistas... Em vários aspectos, infelizmente, um caos; em muitos outros, apenas “muito ruim”.

Na saída do Maracanã, após o show de boas-vindas da última sexta, uma bagunça inacreditável para pegarmos o ônibus que levaria os comunicadores para o IBC – o centro de mídia do evento. Nenhuma fila, nenhuma instrução; funcionários e voluntários completamente desinformados. Os veículos chegavam e cada hora paravam em um lugar diferente. Para conseguir entrar, estávamos sob as rédeas da sorte, do acaso, e, por que não, da lei do mais forte. Dentro do ônibus, que só se pegava antes de no mínimo duas horas de espera por um golpe mágico do circunstancial, um capítulo à parte...

Superlotação muito, muito além mesmo do que vemos na hora do rush de qualquer cidade grande. Totalmente acima do que seria permitido por qualquer dispositivo legal. Fui sentado próximo ao motorista, jogado no painel que o ladeava, encostado no vidro da frente; tinha de abaixar a cabeça para ele enxergar o retrovisor direito; Emerson Romano, companheiro de várias horas aqui na Cidade Maravilhosa, foi na escada mais próxima da porta da frente, escorado nela. O piloto da nossa jornada? Que figura! Nem Rubem Braga, tampouco Nelson Rodrigues, ambos cronistas de mão-cheia e conhecedores profundos do que se chama de alma carioca, conseguiriam imaginar personagem tão peculiar e caricato; tão genuíno, tão natural. Gente fina, boa praça; mas não sabia o caminho para o lugar onde deveria nos levar. E o pior – ou o melhor, dependendo do ponto de vista: o diálogo dele falando ao celular enquanto dirigia – não, e nem era num bluetooth, no viva-voz; o sujeito segurava livre e alegremente o celular com sua mão esquerda. Como escritor me arrependo amargamente de não ter anotado, de ter esquecido as palavras que ele usava, o jeito com o qual o cara se expressava; com a cabeça esgotada de quem havia virado a noite anterior, e trabalhara durante todo o dia, me distraí e não pude armazenar no nosso fluído e complicado HD; só sei que, entre outros tópicos, o motorista versava – no papo com outros condutores que exerciam ali exatamente a mesma função de transportar a imprensa – a respeito dos trajetos; como chegar aqui, o que fazer ali; “onde você está?”; “vou te esperar para irmos juntos, vou devagar para você me alcançar”; “e o fulano? Fala para ele dar um migué e parar o carro para nós o alcançarmos; preciso seguir alguém!”. Coisas assim foram disparadas neste diálogo que nem Buñuel, do alto de seu surrealismo, e banhado por vários de seus famosos Martinis, poderia elucubrar.

Há muito ainda para transmitir nessas searas. Aos poucos vou escrevendo sobre os detalhes dos Jogos. Por enquanto, acrescento apenas: a estrutura para a alimentação dos jornalistas na maior parte dos lugares deixa muito a desejar em vários aspectos – a ponto de, no Centro Olímpico de tiro, no sábado, a lanchonete não ter NENHUM dos alimentos anunciados; apenas as bebidas lá estavam disponíveis. Isso quer dizer que consegui ao menos beber água? Não! Afinal, conseguiram a proeza de não aceitar dinheiro. Isso mesmo. Não por falta de troco, nada. Segundo a atendente, a “logística para eles passarem a aceitar notas e moedas só chegaria no dia seguinte”. Só se podia pagar com o cartão da bandeira que patrocina os jogos. E nada mais.

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