Belo-horizontina resgata criança durante terremoto no Nepal

Clarissa Carvalhaes – Hoje em Dia
29/04/2015 às 14:44.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:49
 (REPRODUÇÃO)

(REPRODUÇÃO)

No último domingo (26), a belo-horizontina Simone Nascimento Antônio, de 38 anos, viveu um dos momentos mais eletrizantes e assustadores de sua vida. Sobrevivente do terremoto de magnitude 6,7 que atingiu o Nepal, a estilista falou com exclusividade ao Hoje em Dia. Durante entrevista, nesta quarta-feira (29), ela revelou como salvou uma criança e contou sobre os motivos que a levaram viajar pelo mundo, a escolha pelo Nepal para produzir sua coleção e, depois de viver o terror num país estrangeiro, as razões que a fazem ficar por lá. Confira entrevista

Por que você foi para o Nepal? Quais eram os planos?
Eu viajo há 11 meses, assim optei por viver a minha vida. Durante esta viagem, que vem sendo uma das mais especiais de minha vida, uso o dinheiro para o que preciso, mas se posso, gosto de fazer trocas. Na Índia, já dei até aula de samba em troca de comida. Como era de se esperar, depois de nove meses viajando o dinheiro começou a ficar pouco. Estou feliz por estar na Ásia e desenvolver a coleção por aqui. Eu poderia escolher outros países, mas quis o Nepal porque as pessoas são mais humanas, os produtos têm boa qualidade e o trabalhadores são felizes. Cheguei aqui há dois meses, tempo suficiente para desenvolver um grupo de trabalho. As coleções tinham acabado de ficar prontas e eu estava tão feliz. Ontem (terça-feira) passei pelo prédio onde confeccionávamos. Ele estava intacto, mas completamente vazio.

Como foi terremoto? Como você se sentiu? Qual seu maior medo naquele momento?
Estava no banheiro quando tudo começou a tremer. Um minuto me falaram, mas para mim foi uma eternidade. Segurei nas duas paredes o meu lado e orei. Orei. E orei. São coisas demais que passam pela nossa cabeça nesses momentos. Por isso melhor é orar e pensar em coisas boas. O tremor passou, com rapidez peguei uma canga e sai para a rua correndo. Tremi como nunca antes.

E o que foi que você viu?
A primeira cena que vi foi um grande e lindo templo, mais antigo que o Brasil, no chão. Todos estavam correndo, mas ninguém se atropelava. Havia muito respeito entre as pessoas. Fui para uma praça grande onde o risco de acidentes era bem menor, embora tudo em volta estava caindo ou rachado. Havia muita poeira.

E você estava sozinha?
Sim, mas não tinha esta sensação de solidão ou fragilidade. Eu sabia que tinha sido uma benção nada ter acontecido comigo. No fundo, eu me sentia muito protegida. De repente veio uma criança, ela estava sozinha e chorando. Eu a vi ao lado de um templo que estava caindo. Ela estava completamente branca de poeira e tócia muito. Eu a peguei rapidamente e a tirei do lugar de risco. O pequeno garoto chamava pela mãe e imaginei que ela estivesse por perto. Nos abraçamos, e não nos desgrudamos por horas e horas, até a noite começar a cair. Isto sim me cortou o coração porque eu pensava que a mãe dele poderia ter sido enterrada viva.

Como vocês dois se comunicaram? Conseguiu ajudá-lo ainda mais?
Eu não falo Nepalês e ele era muito pequenininho para falar, devia ter uns 2 anos de idade. Até que finalmente uma senhora conseguiu se comunicar melhor com ele. Ela me disse que ele tinha ido para a praça só com os amiguinhos e que a mãe dele estava em casa. Foi um grande alívio. Se a mãe dele não estava na praça significava que ela estava provavelmente em um melhor lugar, porque aonde eu e ele estávamos era uma região muito antiga e por isso sofreu uma grande catástrofe. Um policial nos levou para casa. Com muita sorte consegui entrar no meu quarto, pegar roupas, cobertor e legumes que tinha comprado no dia anterior. O que salvou a mim e a alguns turistas que estavam na praça. Dormimos todos juntos neste local. Todos se ajudavam. Nepaleses, turistas, crianças, anciãos. Estávamos todos juntos! No meio do caos havia tanta beleza e amor. Senti-me em família.

E como tem sido desde então?
No dia seguinte ao terremoto já não havia luz, água, nem mesmo comunicação. Nós estrangeiros dependemos da ajuda das pessoas do Nepal que, com grande coração, estão colaborando. Finalmente agora tudo está de volta. Ainda não consigo falar com a família Nepalesa que trabalhava comigo, mas tenho muita fé que estão bem. Continuarei tentando.

Você consegue citar um momento que tenha te emocionado mais?
Sim, quando procurávamos comida e tudo estava fechado, encontramos um grupo de nepaleses vizinhos reunidos em um grande quintal. Eles faziam comida. Perguntamos se sobraria algo que pudéssemos comer. Eles imediatamente nos convidaram para sentar. Um amigo que entende nepalês falou que o líder do grupo disse: “Estas pessoas que aqui estão são as que mais precisam de ajuda, pois estão longe de suas familiares. Delas cuidaremos muito bem”. E assim foi. De cem pessoas que estavam ali fomos os primeiros a ser servidos. Eles não pararam de trazer comida até terem a certeza de que todos nós estávamos bem alimentados. Quando fomos embora, eles nos deram um prato de comida para levarmos a um amigo que estava machucado e nos aguardava.

Por que decidiu ficar?
Eu não gostaria de abandonar minha família. Nepaleses, brasileiros, gringos: todos são minha família. E agora, a minha família nepalesa precisa de ajuda. E todos nós podemos ajudar.

Se pudesse dizer uma palavra ou um gesto de conforto. Qual seria?
Sabe, eu não tenho medo da morte porque é apenas uma transformação. Se minha hora de morrer e transformar chegar, não importa se estou num terremoto ou atravessando a rua de minha casa. O que tiver que acontecer, vai acontecer.... Não adianta correr. Eu acredito que por pior que pareça a situação, tudo tem seu lado positivo.

E qual é o lado positivo disso tudo?
Pude ver na rua mais união entre as pessoas, mais solidariedade, compaixão e menos diferenças. Eu vi mais amor. Talvez o que precisamos, mais do que templos e igrejas, é de um simples abraço. Entender que o mais importantes na vida não é o que fazemos dentro de igreja ou templos, mas o fazemos fora deles.

Algum pedido em especial?
Orações para Nepal, isso ajuda muito. E se puderem ajudar com doações também. Isso é muito bem-vindo.

Quer ajudar os sobreviventes no Nepal? CLIQUE AQUI.

 

© Copyright 2025Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por