(Arquivo Hoje em Dia)
Na varanda fechada de uma residência do Lago Sul, em Brasília, o então presidente da Petrobras Aldemir Bendine reuniu-se com o empreiteiro Marcelo Odebrecht. O motivo do encontro foi a propina de R$ 3 milhões exigida por Bendine, segundo os investigadores da Operação Cobra, 42ª fase da "Lava Jato".
Bendine foi preso nesta quinta-feira, (27), em Sorocaba, interior de São Paulo, por ordem do juiz federal Sérgio Moro. No pedido de prisão do ex-presidente da estatal petrolífera, o Ministério Público Federal fez uma minuciosa reconstituição dos passos de Bendine para corroborar a delação premiada de Odebrecht.
Bendine havia exigido, inicialmente, R$ 17 milhões. Nessa ocasião, junho de 2014, ele ainda ocupava a presidência do Banco do Brasil.
Seis meses depois, em dezembro de 2014 - "Lava Jato" a todo vapor - Odebrecht recusou-se a pagar o montante, equivalente a 1% do montante previsto em três processos de crédito que as empresas do grupo tinham junto ao banco - R$ 600 milhões para o Estaleiro Enseada Paraguaçu, € 150 milhões para financiar a aquisição da EGF (processo de privatização em Portugal) e R$ 2,9 bilhões de crédito para a Odebrecht Agro Industrial.
Em fevereiro de 2015, na véspera de assumir o comando da Petrobras com a missão de estancar a corrupção na estatal e a ela dar um novo modelo de governança, Bendine voltou à carga e exigiu R$ 3 milhões.
O ponto de partida da força-tarefa da "Lava Jato" para cercar o ex-presidente da Petrobras foram as delações de Odebrecht e de outro executivo do grupo, Fernando Reis.
Com base nas revelações dos delatores, os investigadores correram atrás das provas. Uma delas é o endereço em Brasília, na SHIS QI 3, conjunto 10, Casa 2, Lago Sul. O imóvel pertence ao publicitário André Gustavo Vieira, apontado como operador de Bendine.
Os investigadores descobriram que nesta casa Bendine se reuniu com Odebrecht para ajustar a forma de repasse da propina - paga em três parcelas de R$ 1 milhão cada, entre junho e julho daquele ano.
A referência à casa foi encontrada entre os prints efetuados pelo próprio Bendine em diálogos mantidos com André no aplicativo Wickr. Uma mensagem se refere ao endereço do operador, "justamente o local de encontro na noite do dia 18 de maio de 2015".
Em seu depoimento, Odebrecht relatou que na residência de André "a conversa com Aldemir Bendine ocorreu em uma varanda fechada".
Os investigadores fizeram pesquisa no sistema Google Maps e confirmaram que "no endereço de André Gustavo há, de fato, uma varanda fechada, circunstância que corrobora os dizeres de Marcelo Odebrecht".
Na reunião na casa de André, além de Bendine e do empreiteiro, estava o executivo da Odebrecht, Fernando Reis.
"Acertou-se o pagamento de propina para o presidente da Petrobras no importe de R$ 3 milhões", afirma o Ministério Público Federal.
Em seu relato, Odebrecht disse que se curvou ao fato de Bendine ter chegado à Petrobras por indicação direta da então presidente Dilma Rousseff.
O relato do empreiteiro:
"E foi isso que aconteceu, ele chegou, basicamente a conversa, a gente sentou, era tipo uma varanda fechada da casa do André, e a gente basicamente conversou sobre as dificuldades que estava levando a "Lava Jato", a questão dos bloqueios, a questão de tudo, a questão dos financiamentos, ele se colocando sempre como a pessoa que, uma das pessoas que o governo tinha escolhido interagir com as empresas para resolver esses problemas, e ai veio, como a gente tinha esse negócio para a pessoa não falar especificamente de senha, claramente, apesar de a pessoa não falar, 'olha, eu tô pedindo a vocês 1% por conta do empréstimo', ele claramente disse aquilo que o André disse que ele ia falar e que estaria mencionando a questão do 1% do achaque. Aí, eu saí da reunião e falei: Olha, Fernando, eu acho que a essa altura a figura mudou um pouco de, quer dizer, a coisa mudou de figura. Quer dizer, o cara é nomeado por ela, recém-eleito presidente na Petrobras, a gente cheio de problemas na Petrobras, "Lava Jato", muda de figura! Vamos fazer o seguinte, administra com o André o pagamento, a gente vai administrando, eu não acho que a gente vai pagar 17, mas vamos administrando."
As três parcelas de R$ 1 milhão cada em dinheiro vivo foram pagas pelo Setor de Operações Estruturadas, o famoso departamento de propinas da empreiteira. A investigação mostra que as entregas foram realizadas nos dias 17 e 24 de junho e 1º de julho de 2015 - Odebrecht foi preso no dia 19 de junho, ou seja, duas parcelas de R$ 1 milhão foram entregues a Bendine mesmo após a "Lava Jato" pegar o empreiteiro.
A investigação mostra que as entregas ocorreram no Edifício Option Paraíso, na Rua Sampaio Viana, 180, apartamento 43, em São Paulo.
Os valores foram providenciados pelo doleiro Alvaro José Galliez Novis, responsável pela conta "Paulistinha", segundo a planilha de propinas da empreiteira.
O endereço no Paraíso para entrega dos recursos em espécie havia sido fornecido por André a Eduardo Barbosa, subordinado de Fernando Reis que, por ordem dele, encaminhava as requisições de pagamento para o Setor de Operações Estruturadas.
A indicação do endereço foi dada durante visita de André ao escritório da companhia na mesma semana em que Marcelo Odebrecht foi preso, possivelmente no dia 15 ou 16 de junho de 2015. Na oportunidade, Eduardo Barbosa anotou o endereço e passou para André as senhas "Oceano", "Rio" e "Lagos", que deveriam ser pronunciadas pelo recebedor dos valores no ato das entregas, para confirmação de sua autenticidade.
Outra prova contra Bendine foi encontrada na planilha de propinas da Odebrecht, onde aparece o codinome "Cobra", suposta referência ao ex-presidente da Petrobras. A Polícia Federal apreendeu a planilha na 23.ª fase da "Lava Jato", denominada "Acarajé".
"Aldemir Bendine, conforme apontado por Fernando Reis, foi apelidado com o codinome 'Cobra'. Em decorrência da busca e apreensão na 23.ª fase da Operação 'Lava Jato' (Operação Acarajé), foram apreendidas na posse de Maria Lúcia Guimarães Tavares, secretária do Setor de Operações Estruturadas da ODEBRECHT, registros de requisições de pagamento para codinome 'Cobra' e as senhas 'Oceano', 'Rio' e 'Lagoa'", diz a Procuradoria da República.
Na posse de Maria Lúcia também foi localizado extrato do sistema Drousys, no qual estão registradas as três entregas de R$ 1 milhão, cada, referentes ao codinome "Cobra".
Os investigadores foram atrás do morador do apartamento da Rua Sampaio Viana, em São Paulo, endereço onde a propina para Bendine foi entregue. Eles descobriram que o imóvel, no período entre 22 de abril de 2014 e 22 de abril de 2016 esteve alugado para outro publicitário, Antonio Carlos Vieira da Silva Junior, irmão e sócio de André Gustavo em diversas empresas, como a Arcos Propaganda Ltda, a MP Marketing, Planejamento Institucional e Sistema de Informação Ltda ME e outras.
O emissário indicado para receber os pagamentos, Marcelo Marques Casimiro, segundo a "Lava Jato", "possui estreitos relacionamentos com Antonio Carlos e André Gustavo".
Segundo o Ministério Público Federal, André Gustavo "assumiu que recebeu os valores relacionados a Aldemir Bendine, embora tenha adotado condutas para ocultar e dissimular a origem e a natureza criminosa dos valores auferidos".
"A propina chegou às mãos de Aldemir Bendine de forma sub-reptícia por parte de André Gustavo e Antonio Carlos. De se ver que, após o pagamento da propina pela Odebrecht, André Gustavo e Aldemir Bendine, por, pelo menos, duas ocasiões, tiveram encontros presenciais. Além disso, parte dos valores foi repassada por meio de pagamentos de fornecedores de serviços, sem a identificação dos beneficiários, tudo com intuito de omitir a origem e natureza criminosa dos valores."
Defesa
O advogado Pierpaolo Bottini, que defende Aldemir Bendine, afirmou que desde o início das investigações "Bendine se colocou à disposição para esclarecer os fatos e juntou seus dados fiscais e bancários ao inquérito, demonstrando a licitude de suas atividades". "A cautelar é desnecessária por se tratar de alguém que manifestou sua disposição de depor e colaborar com a justiça", disse Bottini.Leia mais:Bendine chega à carceragem da 'Lava Jato' em Curitiba
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