BH ganha bares temáticos de 'direita' e de 'esquerda'

Paulo Henrique Silva
26/03/2019 às 19:12.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:58
 (LUCAS PRATES)

(LUCAS PRATES)

Terra do maior número de bares por metro quadrado, Belo Horizonte vive uma nova tendência nesta área: a politização desses verdadeiros pontos de encontro. Estabelecimentos temáticos buscam atrair o consumidor pela afinidade ideológica – direita ou esquerda –, reverberando a polarização escancarada nas últimas eleições no país. Dois exemplos serão inaugurados nos próximos dias – o Destro Bar, no Sion, e o Oca Livre, no Santa Efigênia.

“Somos o primeiro bar de direita no Brasil!”, orgulham-se os quatro sócios de O Destro, que será aberto neste sábado (30), na rua Pium-í, prometendo ajudar a acabar com a “demonização” em torno deste posicionamento político. “Sempre tivemos uma tendência muito forte à direita, por questões econômicas, sociais e culturais, e já vínhamos namorando a ideia. Só não abrimos no ano passado para evitar qualquer tipo de retaliação por conta da eleição”, explica o sócio Gustavo Souza.

Conhecimento

Souza faz questão de frisar que o empreendimento não tem qualquer ligação com o governo atual. Além de funcionar como um bar “normal”, a intenção é levar aos frequentadores conhecimento sobre pensamentos liberais. Uma das formas de passar essa informação é por meio do ambiente, que terá as cores verde e amarela como predominantes. A decoração trará, por exemplo, pôsteres que destacam frases de políticos, economistas e celebridades também assumidamente da direita. 

No cardápio do Destro Bar, oito tipos de coxinhas com massas, recheios e molhos diferenciados, além da marca própria de cerveja artesanal

Em outra parede haverá uma grande foto do boxeador Rocky Balboa após vencer a luta contra o russo Ivan Drago, no filme “Rocky IV” (1985), como símbolo da “vitória do capitalismo sobre o socialismo”. 

Os rostos de Winston Churchill e Margaret Thatcher, que foram primeiros-ministros do Reino Unido nos anos de 1940 e 1980, respectivamente, sinalizam os banheiros masculino e feminino. “Ambos foram os responsáveis por salvar a Inglaterra em momentos diferentes, durante a Segunda Guerra e na pior crise econômica do país”, observa o empreendedor. 

Os pratos também terão nomes sugestivos relacionados à política, assim como algumas promoções – nas terças-feiras, acontecerá o “Imposto é roubo”, em que o cliente consumirá produtos sem qualquer tributação, “pagando somente pelo que de fato comprou”, registra Souza.

Às quartas, em dias de jogo, será a vez do “Futebol sem mi mi mi”, em que o público terá liberdade para reclamar do time ao árbitro, podendo até se valer de xingamentos, diz ele.

De Elvis a Lobão

Na trilha sonora do Destro Bar só entrarão na seleção artistas de “pensamento de direita” – o proprietário cita nomes como Frank Sinatra, Elvis Presley, Lobão e Ultraje a Rigor. 

Haverá ainda um espaço cultural com uma minibiblioteca formada por livros sobre a temática, além de souvenires variados, como canecas e camisetas. 

Apesar desta “overdose” neoliberal, Souza diz que o espaço também estará aberto a quem é de esquerda. “Podem vir para conhecer e refletir sobre estes pensamentos”, convida. 

SERVIÇO

Destro Bar – Inauguração no sábado, ao meio-dia. Na Rua Pium-í, 787). Terça a sexta, a partir das 17h. Sábado e domingo, abertura às 12h. LUCAS PRATES / N/A

A Oca Livre, que tem Uri Cunha, Débora Dornelas e Pedro Gondim como proprietários, será aberta no dia 13 como espaço de “experiência, aprendizado e resistência”

Oca Livre buscará desconstruir conceitos conservadores a partir de debates e palestras

O pensamento de esquerda da Oca Livre estará mais presente na programação do que no ambiente, de acordo com Uri Cunha, um dos três proprietários da casa, que abrirá portas em 13 de abril, no bairro Santa Efigênia. “Mais do que um bar, será um espaço de experiência, aprendizado e resistência”, assinala.

A Oca Livre funcionará também como um espaço multiuso, recebendo várias atividades, especialmente debates e palestras, diz Cunha. “Será um lugar democrático, aberto às causas mais diversas, sempre com o intuito de desconstruir os conceitos conservadores que se multiplicaram nos últimos tempos”, destaca.

No local, haverá um amplo espaço para coworking, em que os interessados poderão aproveitar desde o quintal de uma charmosa casa antiga, localizada na Rua Tenente Anastácio de Moura, até as estações de trabalho. Também receberá uma casa de chás e cafeteria. Durante os dias de semana, será servido almoço. À noite, entrará em funcionamento o bar.

Atrações culturais serão outro destaque da Oca Livre, abrindo espaço especialmente para a música mais autoral, vez que, segundo Cunha, são poucas as opções em Belo Horizonte para este tipo de música. “Queremos agregar o máximo possível de pessoas que combinem com os nossos ideais”, observa o proprietário.

Mortadela

Os pratos do cardápio serão servidos em azulejos que trarão frases de inclusão e de amor, adianta Cunha. Não deverá faltar também a mortadela, apelido dado aos esquerdistas, num contraponto ao “coxinha”, como os de tendência de direita ficaram conhecidos. “Temos essa ideia de fazer releituras da mortadela, mas o cardápio ainda não está fechado”.

No início do projeto, o trio de proprietários chegou a cogitar a possibilidade de batizar os pratos com nomes de mulheres importantes no Brasil e no mundo. “É uma questão delicada, pois somos muito preocupados em relação ao lugar da fala, do fato de sermos privilegiados. Temos que ficar atentos a isso, pois a gente quer somar e não dividir”, pondera.

“Queremos receber discussões saudáveis, que levem as pessoas a pensar. Isso é mais importante do que a identidade visual em si”, observa Uri Cunha, da Oca Livre

Os banheiros terão as portas pintadas de azul (para homens) e rosa (para mulheres), mas, na verdade, serão unisex, avisa o empreendedor. Nas paredes, os nomes de Marielle Franco, vereadora carioca assassinada ano passado por defender as causas LGBTQ e dos pobres, e o do motorista Anderson Gomes, que conduzia a parlamentar –e que também foi morto na emboscada.

“Neste primeiro momento, vamos deixar o mural livre para as pessoas escreverem mensagens, um pouco de suas dores, de suas ideias... Só não poderão escrever elogios a (Jair) Bolsonaro. Aí já é falta de respeito”, brinca.RIVA MOREIRA

Camila Cienfuegos e Ranara Feres estão à frente do Ursal Bar, localizado no Santa Tereza e aberto há dois meses

Ursal atrai todo o espectro da esquerda em Belo Horizonte

A derrota da esquerda nas eleições presidenciais de 2018 serviu de gatilho para a criação do Ursal Bar, há dois meses. “O clima estava ruim, o pessoal parecia ter perdido as esperanças. Foi aí que fizemos esse espaço para servir de ponto de encontro nosso”, afirma Camila Cienfuegos, proprietária do estabelecimento ao lado de Ranara Feres.

Camila se surpreendeu com a adesão do público, ao ver o bar atraindo todo o espectro da esquerda em Belo Horizonte. “Pessoas de várias vertentes de partidos diferentes, que jamais se encontrariam de outra forma, passaram a vir para conversar, trocar ideias de uma forma mais lúdica”, aponta.

O bar Ursal, hoje localizado na rua Dores do Indaiá, 114, no bairro Santa Tereza, deverá mudar brevemente de sede, passando para um espaço mais amplo no Santa Efigênia

O Ursal tem um cardápio variado, no estilo “buteco” que o mineiro tanto gosta. Um dos destaques é o prato Olga Benário, nome da militante comunista alemã e esposa do líder de esquerda Luís Carlos Prestes que batiza uma berinjela rústica dedicada aos veganos.

Há promoções divertidas como a “Camarada!”, em que o cliente que levar um amigo, ambos vestidos com camisetas estampadas com os rostos de Che Guevara e Fidel Castro, ganha rodada dupla de mojitos. Imagens dos líderes da revolução cubana, por sinal, estão espelhadas pela casa, assim como o do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez.

A última promoção do Ursal aproveitou a prisão do ex-presidente Michel Temer, na última semana, “comemorada” com drinks e rodadas de cachaça. Um dos drinks carrega o nome de “Fora Temer”, cujos ingredientes levam limão capeta e mel, além da cachaça. Ganhava uma dose quem “delatasse” um amigo.

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