(Mário Vale)
Em entendimento polêmico, a promotora de Justiça Simone Maria Bellezzia, de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Sete Lagoas, na região Metropolitana de Belo Horizonte, proibiu a realização de bingos beneficentes em escolas públicas de oito cidades da comarca. Nem o Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendimento consolidado sobre o assunto.
A iniciativa foi tomada após a promotora ter recebido uma denúncia de que a Escola Municipal Mário Diniz Pontes, em Fortuna de Minas, cidade com 2.800 habitantes, havia promovido um bingo em uma festa junina em 11 de junho último. Cada participante desembolsou R$ 2 para comprar a cartela.
O dinheiro arrecado com prêmios, doados pela comunidade de Fortuna de Minas, foi investido em benfeitorias para a escola e alunos. Mesmo assim, Bellezzia vetou o bingo alegando se tratar de uma contravenção penal.
“O emprego de todo o valor arrecadado com o jogo de bingo em benefício da escola e dos próprios alunos não constitui justificativa admissível para acobertar uma prática ilegal”, escreveu a promotora em sua recomendação. Procurada, ela não quis conceder entrevista. Por meio da assessoria de imprensa do Ministério Público (MP) em Belo Horizonte, ela reconhece não ter havido má-fé por parte da escola. Mas a proibição atende à legislação vigente, conforme o MP.
Além de Sete Lagoas, a medida vale para os municípios de Baldim, Cachoeira do Campo, Fortuna de Minas, Funilândia, Inhaúma, Jequitibá e Santana de Pirapama. Em caso de descumprimento, a integrante do MP mineiro ameaçou processar judicialmente nas áreas administrativa e criminal os secretários municipais de educação e os diretores das escolas.
Defesa
A secretaria de Educação de Fortuna de Minas, Leila de Abreu, defendeu o bingo. “É difícil ter uma escola do interior que não tenha promovido um bingo em benefício da própria escola”, ressaltou.
Em 2004, por meio de medida provisória, o governo federal proibiu os bingos e caça-níqueis após denúncias de envolvimento com o crime organizado. Apesar da proibição, tramitam nos tribunais dos estados diversos questionamentos sobre o assunto, já que o STF não bateu o martelo sobre o tema. Há oito anos, os ministros editaram uma súmula vinculante proibindo a atividade no país. Na oportunidade, não se posicionaram sobre os bingos não lucrativos.
Tribunais do país divergem sobre a legalidade da prática
A proibição dos bingos beneficentes é motivo de controvérsia entre juristas e magistrados.
Em julho de 2014, os desembargadores da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) votaram favoráveis à realização de um bingo beneficente promovido pela Fundação Assistencial Viçosense, na cidade de Viçosa, na Zona da Mata.
A entidade havia solicitado a concessão de um alvará judicial para promover o evento, que havia sido proibido pelo Ministério Público. O dinheiro levantado seria destinado um hospital mantido pela fundação. “Considerando-se que o caso em tela retrata hipótese de uma reunião de pessoas destinada a angariar fundos para estancar ou minorar a crise financeira que atravessa uma instituição de saúde, há que se considerar o interesse social de que se reveste a promoção do evento ora tratado”, diz a decisão judicial.
Por outro lado, em 2011, a 16ª Câmara Cível do TJMG indeferiu a liberação de alvará para promoção de bingo em prol do União Caputirense Futebol Clube, da cidade de Abre Campo, também na Zona da Mata. Nesse caso, os magistrados entenderam que o jogo é vedado “pelo ordenamento jurídico em vigor, mesmo se tratando de atividade a fim de que o clube possa continuar funcionando e proporcionando à população direitos constitucionalmente garantidos, como, por exemplo, o lazer”.
Já o Tribunal de Justiça de São Paulo, em entendimento de 2013, considerou legal um bingo promovido por fundo de solidariedade para angariar fundos para despesas de pessoas carentes.
Legalização
O ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cézar Britto, defendeu a legalização de todo tipo de bingo. “O que temos é que acabar com essa hipocrisia de que o jogo de azar no Brasil não existe, quando nos deparamos com a Sena, Megasena, Loteria Esportiva; então, ou o jogo de azar é proibido e acaba-se de vez com ele, ou é permitido e passa a ter um controle mais forte pelo Estado”.
Para Britto, não existe ilegalidade em um bingo beneficente. “Não há de se falar em contravenção em um bingo que não gera lucro”, salientou.