Em meio ao debate nacional sobre o projeto de lei que pode liberar a publicação de biografias sem autorização, o relançamento de um livro 17 anos após sua primeira edição surge como um contraponto em toda a discussão. Trata-se de "Moreira da Silva - O Último dos Malandros", biografia de um dos pioneiros do samba de breque, escrita por Alexandre Augusto.
A obra, finalizada em 1996, foi lançada no mesmo ano pela editora Record, com autorização por escrito do próprio Moreira da Silva (1902-2000), que nunca pediu ao autor para ler os originais antes da publicação. Esta semana, o livro retorna às lojas pela Sonora Editora, com o aval da família do biografado.
Mesmo com todas as liberações de Moreira e de seus herdeiros, a biografia está longe de ser chapa-branca, ou seja, de traçar um retrato do cantor e compositor apenas com suas qualidades e feitos, como se ele fosse um herói. Pelo contrário. O livro, que presta uma homenagem ao consolidador do samba de breque e apresenta seu cancioneiro para as novas gerações, relata passagens da vida privada de Moreira fundamentais para entender seu processo criativo e sua carreira.
Ao contar a trajetória do músico, que teve sucessos eternizados em sua voz, como "Na Subida do Morro", "Acertei no Milhar", "O Rei do Gatilho", "Amigo Urso", "Olha o Padilha!", entre outros, a biografia apresenta os altos e baixos da carreira do artista. Ainda que o biografado, vivo durante a realização do livro, tenha tentado seduzir o autor com suas versões para algumas histórias.
Armadilha
"O fato de Moreira estar vivo e de eu ter convivido com ele foi uma enorme vantagem. Mas ele não tinha muita paciência, mentia muito e obviamente valorizava apenas a parte boa. Tive de fugir dessa armadilha. Dei sorte de cair nas graças de um antigo parceiro dele chamado Aidran de Carvalho, o Carvalhinho, que me contou os bastidores e muitos segredos do Kid", diz Alexandre Augusto sobre o biografado, conhecido e citado em suas canções como Kid Morengueira.
O livro fala de doenças venéreas contraídas por Moreira em sua juventude nos cabarés do Rio, da esterilidade do sambista (que teve uma filha adotiva, Marli), dos sambas comprados (algo comum naquele período) de autores como Wilson Baptista (1913-1968) e Geraldo Pereira (1918-1955), por exemplo, de incontáveis casos extraconjugais (não à toa, a biografia mostra que o samba "1.296 Mulheres", de Moreira, versava sobre ele mesmo, não sobre um personagem).
A obra trata ainda das escapadas do compositor nos turnos de motorista de ambulância como funcionário público, do câncer de próstata do sambista e de uma suposta turnê por Portugal em troca de favores sexuais ao cantor português Manoel Monteiro, entre outros episódios.
Com extenso trabalho de pesquisa de Alexandre Augusto, a biografia reforça a espontaneidade de um Moreira sem papas na língua ao se referir, por exemplo, a figuras de quem ele não gostava. "O Caetano é de araque, porque criticou o Ary Barroso na minha frente. Além disso, é bissexual. Não sou eu quem diz isso, mas o mundo", diz Moreira em passagem da biografia que cita entrevista do sambista ao "Jornal do Brasil", em 1992. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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