O debate em torno da reforma política será retomado hoje (22) na Câmara dos Deputados, tanto no plenário quanto nas comissões. A sessão do plenário desta terça-feira tem como pauta única a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 77/03, que trata da adoção de um novo sistema político-eleitoral para a escolha de deputados estaduais, distritais e federais e da criação de um fundo público para financiar as próximas campanhas eleitorais.
Se aprovada como está, a PEC 77 pode instituir no país o modo majoritário de votação para os cargos de deputados nas eleições de 2018 e 2020, como uma transição para o modelo distrital misto a partir de 2022.
O chamado “distritão”, como ficou conhecido, permite que os candidatos mais votados ganhem as eleições. Por esse sistema, cada estado vira um distrito, no qual as vagas disponíveis nas câmaras e assembleias legislativas são preenchidas pelos candidatos mais votados, sem considerar a proporcionalidade do total de votos recebidos pelos partidos e coligações, assim como ocorre com a escolha de prefeitos, governadores e presidente da República.
Pelo distrital misto, o eleitor vota duas vezes: uma no candidato do distrito e outra em uma lista preordenada pelo partido. O resultado sai do cálculo entre os resultados da votação majoritária no distrito e na escolha proporcional no partido.
Os líderes partidários passaram os últimos dias em reuniões com o relator para tentar fechar um acordo em torno de uma forma que seja mais viável como transição. Várias propostas têm sido levantadas, inclusive a de um modelo que foi apelidado de “distritão misto”, que seria uma combinação de voto majoritário no candidato e voto em legenda, ou seja, os eleitores poderiam votar em candidatos ou no partido nas eleições para deputado estadual e federal.
A sessão está marcada para começar às 13h, mas a votação deve ter início somente no fim do dia. Além do texto-base, os deputados também devem analisar 14 destaques ou sugestões de mudança que já foram apresentadas pelas bancadas.
Alguns dos destaques pretendem retirar da proposta a adoção do sistema “distritão” para as eleições de 2018 e 2020, votar em separado a sugestão do voto distrital misto e da criação do Fundo Especial para Financiamento da Democracia.
Outros pretendem destacar a possibilidade de o candidato figurar tanto na lista do partido, quanto na lista do distrito, o que permite que ele concorra a dois cargos diferentes. Há também um destaque que pretende manter o financiamento público, mas sem o percentual de 0,5% da receita líquida do Orçamento para compor o fundo, o que corresponderia hoje a R$ 3,6 bilhões.
Conforme adiantaram líderes partidários e o próprio relator, o valor do fundo pode ser reduzido no plenário a R$ 2 bilhões ou ser totalmente retirado do texto para definição futura pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso.
A PEC 77/03 prevê ainda que os cargos de ministro do Poder Judiciário não sejam vitalícios, instituindo o mandato de dez anos para os juízes das cortes.
Financiamento privado
Enquanto a PEC 77/03 tramita no plenário, duas comissões especiais da Câmara analisam um anteprojeto de lei (PL) e outra emenda constitucional que também compõem a proposta de reforma política.
O PL inclui algumas normas que vão regulamentar a forma como os recursos do fundo de financiamento serão distribuídos entre os partidos e regras para as doações de pessoas físicas, definição que deve ficar a cargo do Tribunal Superior Eleitoral.
O objetivo é mesclar a possibilidade de financiamento público e privado, mas com limites para as doações. No PL, está estabelecido o teto de 10% da renda bruta do doador ou dez salários mínimos, o que for menor, para doação em dinheiro a cada cargo em disputa.
O projeto inclui o Fundo Especial de Financiamento da Democracia, a ser criado caso a PEC 77 passe no plenário, entre as formas de contribuição financeira com recursos públicos aos partidos. O projeto prevê, por enquanto, que 90% dos R$ 3,6 bilhões previstos inicialmente para compor o fundo, sejam destinados às campanhas de vereadores, deputados estaduais, federais e distritais, senadores, primeiro turno de governadores e presidente da República, e 10% para segundo turno dos cargos do Executivo.
O percentual a que cada partido terá direito e a forma de distribuição serão definidos pelo TSE. Cada cargo eletivo terá limites de gastos de campanha. Os recursos também poderão ser levantados pelo Fundo Partidário, por recursos próprios do candidato (até o limite de R$ 10 mil) ou por meio de financiamento coletivo na internet.
O projeto em análise estabelece também que os partidos políticos sejam incluídos entre as instituições públicas ou filantrópicas autorizadas a organizar a distribuição de prêmios por meio de “sorteios, vale-brinde, concursos, bingos ou operações assemelhadas”, como loterias, para “obter recursos adicionais necessários ao custeio das finalidades partidárias e eleitorais”.
Doação oculta
Na versão entregue no semestre passado, o relator da proposta, deputado Vicente Cândido (PT-SP), havia previsto que o doador poderia pedir que sua identidade fosse mantida em sigilo. Depois que o parecer foi divulgado, as reações levaram o relator a incluir a ressalva de que o sigilo não valeria diante de órgãos de controle. A alteração não foi suficiente para conter as críticas, e o deputado anunciou que vai retirar esse artigo do projeto. Outras alterações nas regras do financiamento ainda serão feitas no anteprojeto, dependendo do resultado da votação da PEC 77 no plenário.
Habilitação prévia
No PL também consta a proposta de criação da habilitação prévia das candidaturas. A ideia é antecipar para oito meses o processo de registro dos candidatos a fim de dar mais tempo para a Justiça Eleitoral julgar todas as candidaturas antes da data do pleito. Nesse período de “pré-registro”, o candidato pode também fazer arrecadação prévia de recursos.
O projeto prevê a possibilidade de propaganda eleitoral na internet e por telemarketing, com regras específicas para cada situação. Os partidos e coligações estão sujeitos a sanções caso promovam propaganda eleitoral irregular.
O relatório permite que os partidos e coligações tenham um fiscal em todos os lugares onde ocorre o processo de votação e apuração dos votos, para acompanhar a totalização dos resultados.
Nessa comissão, já foram aprovados dois relatórios parciais que estão aguardando a análise final do projeto para seguir em bloco ao plenário. O primeiro relatório propõe a regulamentação e ampliação dos mecanismos de democracia direta, como referendos, plebiscitos e a apresentação de projetos de iniciativa popular. O segundo uniformiza em quatro meses os prazos de desincompatibilização ou afastamento de candidatos de diferentes cargos ou funções públicas.
O conjunto de propostas também deve ir a plenário após a conclusão da votação da PEC 77/03.
Fim das coligações
A segunda comissão que se reúne hoje na Câmara analisa a PEC 282/2016, que propõe o fim das coligações partidárias para eleições proporcionais, estabelece normas sobre fidelidade partidária e acesso dos partidos políticos aos recursos do Fundo Partidário.
A proposta tem como relatora a deputada Sheridan (PSDB-RR), que prevê, em seu substitutivo, a formação da federação de partidos que tenham o mesmo programa ideológico no lugar das coligações partidárias que vigoram atualmente nas eleições proporcionais.
O substitutivo estabelece que não há obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal. Outro ponto que Sheridan incorporou na proposta foi a perda do mandato em caso de desfiliação partidária, inclusive para suplentes e detentores dos cargos de vice-presidente, vice-governador ou vice-prefeito.
Cláusula de desempenho
De acordo com o substitutivo elaborado pela deputada, a partir de 2030 somente os partidos que obtiverem no mínimo 3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço dos estados, terão direito aos recursos do Fundo Partidário. Para ter acesso ao benefício, os partidos também deverão ter elegido pelo menos 18 deputados distribuídos em pelo menos um terço dos estados.
O mesmo critério será adotado para definir o acesso dos partidos à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. A mudança, no entanto, será gradual, começando pelo piso de 1,5% dos votos válidos nas eleições de 2018, chegando a 2% em 2022, a 2,5% em 2026, até alcançar o índice permanente de 3% em 2030.
A expectativa é de que as duas comissões encerrem as discussões e comecem o processo de votação de seus projetos ainda nesta semana. Para que as mudanças sejam válidas para as eleições do ano que vem, elas devem ser aprovadas em dois turnos pelos plenários da Câmara e do Senado até 7 de outubro.