Campanha incentiva homens a cuidar da saúde, mas iniciativa pode esbarrar na falta de verba

Paula Coura
pcoura@hojeemdia.com.br
11/08/2016 às 20:12.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:19
 (Wesley Rodrigues)

(Wesley Rodrigues)

Um terço dos homens no país não cuida da própria saúde, revela o governo federal. Buscando reverter esse quadro, o Ministério da Saúde anunciou ontem uma campanha para tentar laçar brasileiros no momento em que eles acompanham a mulher no pré-natal. É nesse período que 80% deles estão presentes nas unidades de saúde. A ideia é conscientizá-los sobre a importância dos exames preventivos, mas a iniciativa pode naufragar porque não há previsão de verba extra para ampliar as equipes de atendimento.

Marcelo Roberto Matias, de 37 anos, é um dos homens que deixou a própria saúde em segundo plano. Durante a gravidez da mulher, ele acompanhou Eudielem Moura Lima, de 30, nas consultas ao obstetra, e até fez curso para aprender os cuidados com a primeira filha. Mas admite que ele mesmo foge do consultório. “Não tenho costume de ir ao médico por minha conta”.

Para especialistas, muitos homens continuarão na mesma situação que Marcelo. Sem recursos para ampliar e capacitar as equipes dos postos de saúde, a proposta é utilizar a estrutura já existente de atenção básica. Mas para Augusto Guerra, coordenador do Centro de Técnica em Saúde da UFMG, a falta de especialização dos profissionais que prestam esse atendimento pode atrasar a identificação de problemas de saúde “ocultos” no homem. Entre eles está o alcoolismo, citado na pesquisa do Ministério da Saúde de grande incidência no público masculino.

Além disso, a atual estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) precisaria ser revista. “O serviço não é nacional, é regionalizado. Sem um plano de carreira para todo o país, não é possível remanejar profissionais. Isso é um dos motivos, por exemplo, da falta de médicos no interior”, avalia Guerra.
Ele ainda explica que, atualmente, a saúde pública conseguiria atender, de maneira preventiva, apenas exames relacionados a doenças do aparelho cardiovascular, como hipertensão, e a diabetes.

Outro entrave é que o aumento da demanda pode gerar procura por especialidades, como urologia. Para Jorge Lyra,ntegrante do Grupo de Trabalho Gênero e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), quando o documento da política de atenção à saúde do homem foi elaborado, em 2008, a ideia era fazer uma proposta para sensibilizar o homem para o cuidado de si, discutir a ideia de que o "machismo adoece e mata", sem necessariamente aumentar os custos. “Precisamos deixar claro de que perspectiva estamos falando, se pensamos a saúde como um direito ou um gasto, um custo a mais. Essa equação custo/benefício das ações de saúde voltada para os homens é um cálculo mais difícil e complexo, pois, por exemplo, precisamos colocar na balança o que custa mais: os gastos com as medidas de saúde de média e alta complexidade como os agravos e a recuperação das morbi-mortalidades da saúde, ou uma ação de educação em saúde, promoção em saúde pensada também como um direito das pessoas", diz Lyra.

Preparado

Por sua vez, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, garantiu que o SUS está preparado para esse atendimento especializado. “Algumas unidades de saúde já atendem em horário ampliado para atrair os homens”, informou Francisco Norberto, coordenador da Saúde do Homem da pasta.

Polêmica

Ontem o ministro Ricardo Barros chegou a falar que os homens não cuidam da saúde porque "trabalham mais e são provedores da maioria das famílias". A declaração foi bastante criticada pelas redes sociais. Para Jorge Lyra, todas as pesquisas mostram que as mulheres sempre trabalharam mais que os homens seja nos espaços públicos, seja nos espaços domésticos e tem cada vez mais assumido o lugar de chefe de família. "Foi um grande equívoco por parte do Ministro esta afirmação. Em uma leitura histórica e dos dados demográficos e epidemiológicos, por exemplo, quando o Estado, o governo e os próprios homens se excluem desta tarefa de cuidado, são as mulheres, principalmente, as negras e as pobres que se ocupam das atividades de cuidado, entre elas as da saúde das crianças, dos idosos, dos doentes, e inclusive dos homens, por outro lado, nós homens não aprendemos a cuidar nem de si e nem dos outros e as instituições, aqui trazemos como o exemplo, o trabalho não contribui para que isso ocorra", afirma.Editoria de Arte

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