(Flávio Tavares)
Eles são pai e filho. Vieram de carro de Juazeiro do Norte até Belo Horizonte. Enfrentaram mais de trinta horas de estrada para apresentar as publicações da Editora Memorial do Cordel na Bienal do Livro de Minas. O sucesso é tamanho que os expositores já venderam cerca de 60% dos cordéis que trouxeram na mala.
Um, aos “quase setenta anos”, faz o tradicional: narra as histórias dos homens da terra de “meu ‘Padinho’ Padre Cícero”. Abraão Batista conta que faz Cordel desde muito jovem, quando tomou gosto pelo gênero ao ouvir de sua mãe histórias como “Pavão Misterioso”.
“Gosto de contar a história do homem, do sertão, do campo. Eu sou especialista no cotidiano, e bato nos políticos”, conta o nordestino.
Já o filho, Hamurábi Batista, prefere se aventurar pela história do Brasil, ao relatar biografias de presos, torturados e mortos pela Ditadura Militar brasileira, e contá-las dentro de seus cordéis. Pendurados ao melhor estilo, com pregadores e cordinhas esticadas em meio a fitinhas do Senhor do Bonfim, seus cordéis estampam na capa nomes e fotos de figuras emblemáticas do Período Militar.
“Depois de perceber que o cordel tinha um discurso machista, misógino e homofóbico, pensei que era hora de fazer diferente, e mudar essa realidade. Resolvi contar a verdadeira história dos presos e mortos pela Ditadura, fazendo um cordel antifascista”, relatou Batista.
A força do cordel
De forte tradição no nordeste brasileiro, o espaço da modesta editora comandada pelos dois tem feito sucesso entre o público da Bienal. Devido ao preço baixo (variam de R$1 a R$10), e pelo interesse, pai e filho voltarão ao Ceará com bem menos do que trouxeram para vender.
O sucesso, afiança Abraão, é devido ao novo status do cordel. Se um dia foi lido apenas pelo homem do campo, o trabalhador braçal, hoje ele é urbano. “Com a evolução dos tempos, o Cordel é urbano. Hoje nós temos crianças, adolescentes, estudantes, professores, estudiosos, colecionadores. Um leque imenso de leitores. Inclusive aqui foi acima das nossas expectativas”.
O cordelista afirma, ainda, que o cordel é uma forma de se contar a história de modo diferente dos historiadores e dos jornalistas. “O cordel é uma forma de jornalismo inverso”, diz. “O cordelista tem vantagens sobre o jornalista, porque o jornalista é uma criatura acadêmica. Por essa razão ele tem medo do ridículo, e nós não temos. É no cordel que você vai encontrar a verdadeira história do Brasil. Nós ainda não sofremos lavagem cerebral”, brinca.Flávio Tavares / Hoje em DiaAbraão desmonta a história: "Não tem nada de Portugal e Espanha. Cordel já é citado na Bíblia, no Livro de Jacó"
Quebra de paradigma
Hamurábi Batista tinha tudo para seguir os trilhos do pai. Na verdade, até seguiu, mas fazendo algumas curvas ao que rege a tradição. Rompendo barreiras, trouxe para a Literatura de Cordel uma face menos arraigada, deixando de lado histórias machistas e preconceituosas por tradição, e decidiu lutar pela causa que acreditava.
“Sempre observei aquela história mentirosa que ensinavam a gente na história. Peguei os anos de chumbo na infância, nasci no ano do Médice. E na adolescência era justamente o período de transição onde se ensinava cada mentira absurda na escola. Quando percebi, subiu uma revolta muito grande”, contou.
Nas capas de seus cordéis, traz nomes como Lamarca, Marighela, Stuart Edgard Angel Jones, Zuzu Angel, e, em breve, pretende escrever um sobre a Presidente Dilma Roussef. A inclusão de nomes femininos se deu, inclusive, por uma queixa da filha, que apontou a falta de mulheres em suas histórias. “Estou esperando este circo todo acabar para escrever sobre ela e o golpe”, diz, referindo-se ao Impeachment da Presidente.
“Tenho uma filha militante negra-feminista-LGBT. E ela me cobrou escrever sobre mulheres. Aí fiz uma campana e em oito dias eu escrevi nove cordéis de mulheres vítimas da Ditadura Militar”.
A série de cordéis que escreve é responsável por boa parte do sucesso da dupla na Bienal do Livro de Minas, e leva o nome de “Porões da Ditadura”. Nela, Hamurábi leva o cordel ao contexto da tortura e morte do Regime Militar. “Gosto de contar a história. Sou um jornalista do cordel, mas sou também um historiador. Prefiro escrever a história, sou um historiador do cordel”, finaliza.