Celebrado diretor Robert Wilson olha trajetória do jogador brasileiro Garrincha

Estadão Conteúdo
19/04/2016 às 10:12.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:01
 (Divulgação/CBF)

(Divulgação/CBF)

Foi curto o intervalo entre a glória máxima e a humilhação. Menos de 20 anos a separar a descoberta do gênio de seu ocaso. A história prodigiosa de Garrincha (1933-1983), o ‘anjo das pernas tortas’, serve de inspiração ao diretor norte-americano Robert Wilson em seu novo espetáculo, Garrincha - primeiro título com produção, tema e elenco brasileiros, parceria entre o Sesc-SP e o Change Performing Arts.

"Fiquei fascinado pelo personagem, por suas contradições, por essa personalidade complexa, esse atleta tão vivo que destruiu a própria vida", comentou o encenador, que trabalhou durante dois anos no projeto, em entrevista.

Com estreia marcada para sábado (23) o espetáculo observa a trajetória desse anti-herói nacional, mas não como uma montagem de cunho biográfico faria. "Não estou fazendo um espetáculo que leve ao palco a vida dele. O que se verá não é algo que se possa descobrir em uma biblioteca. Olho como esse artista genial destruiu a sua vida, mas não faço isso de forma deprimente. Não pago para ver coisas que me deprimem", afirma o diretor.

Para se aproximar do desafortunado destino do craque do Botafogo, Wilson o olhou como um dos personagens das peças clássicas: "Os gregos escreveram sobre os deuses do seu tempo. Garrincha é como um deus de nossa época". E, para construir sua versão, buscou ressaltar os contrastes entre o que se vê e o que se conta. "Se estamos diante de uma história escura, é essencial que se traga luz e leveza para contá-la."

Como é comum em suas criações, o diretor valorizou em especial os aspectos formais e pictóricos. Compondo as cenas como se fossem ‘quadros’ e dando protagonismo a elementos que, geralmente, ocupam lugar secundário, como a luz e o movimento. No seu teatro, os corpos humanos se movem como figuras ‘fora do mundo’, totalmente estilizados. "O que se vê em cena não precisa ser mera decoração ou apenas uma ilustração do que se ouve", aponta o diretor.

A forma muito particular de Garrincha se movimentar entra, nesse sentido, como elemento de composição da obra. "Era um grande dançarino", considera Wilson. "Um bailarino como Fred Astaire, Baryshnikov ou Nureyev."

Esse balé esquisito, do homem de pernas arqueadas e dribles desconcertantes, já faria de Garrincha uma figura fascinante para o artista norte-americano. Mas há outro aspecto particularmente cativante. A diferença de seis centímetros entre uma perna e outra seria suficientes para impedir Mané de andar. Desajeitado, era um milagre que fosse capaz de jogar futebol. E ainda mais extraordinário que conseguisse, com passos que beiravam o impossível, criar tamanho deslumbre dentro de campo. Depois de enfrentar sérias dificuldades de aprendizado quando criança, Wilson desenvolveu especial interesse pela capacidade das pessoas de superar adversidades. Começou sua carreira trabalhando com autistas e, anos depois, adotou uma criança surda. "A gente nunca entende como alguém aprende alguma coisa. Existe aí sempre um mistério."

Etapa final

A estreia de Garrincha é o ponto de chegada do vínculo que Robert Wilson construiu com o Brasil nos últimos anos. Desde 2012, o artista, em parceria com o Sesc, apresentou na cidade obras como A Última Gravação de Krapp, em que atuava além de dirigir, Lulu e A Ópera dos Três Vinténs - ambas com a celebrada companhia alemã Berliner Ensemble. Outro marco dessa relação foi A Dama do Mar, adaptação de Susan Sontag para o clássico de Henrik Ibsen, encenada com elenco brasileiro.

"Se na Dama do Mar o espetáculo teve que ser levantado dentro de uma partitura já existente, em Garrincha todo esse processo foi construído do zero", diz André Guerreiro Lopes, que assinou a assistência de direção das duas montagens.

Para erigir a encenação atual, o encenador partiu da biografia de Ruy Castro, Estrela Solitária, contou com consultoria do crítico e ensaísta Carlos Augusto Calil e dramaturgia de Darryl Pinckney. Afirma, porém, que a maior parte do que se verá em cena foi criada com a colaboração de todos os 16 atores (Jhe Oliveira vive o protagonista e Naruna Costa interpreta Elza Soares) e dos seis músicos nacionais. Executada ao vivo, a trilha sonora trará ritmos brasileiros, como o samba e o choro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. 

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