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Sábado,28 de Setembro

Cármen Lúcia e Dias Toffoli

24/09/2018 às 20:18.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:37

Antônio Álvares da Silva*

Cármen Lúcia acaba de encerrar o mandato à frente do STF. Cumpriu com muita competência seu dever. Teve momentos difíceis pela frente, mas soube dominar o imprevisto e segurar as paixões.

Houve a acusação de que não exerceu liderança e, em certos momentos, demonstrou fraqueza. As críticas são injustas. Ela superou todos os momentos difíceis e a instituição chegou íntegra ao final. Não houve mais pugilatos verbais descontrolados. Sua voz, mansa e tranquila, apaziguou os momentos difíceis e colocou no leito da concórdia as ondas que às vezes se levantam incontroladas.

Foi criticada por não colocar em pauta a questão da execução definitiva de processos penais julgados em segunda instância, uma das maiores conquistas da jurisprudência do STF, situando o Brasil ombro a ombro com o judiciário das nações desenvolvidas. Sua resposta foi clara e serena, contrariando a insistência de dois ministros: o Tribunal já decidiu o tema e não há razão para voltar a ele, deixando de lado outras matérias relevantes.


Ao voltar para a turma e depois para a sala de aula, a ministra Cármen Lúcia será um repositório de muita informação útil para a uma verdadeira reforma do Judiciário. Com várias obras publicadas, naturalmente retomará agora seu pendor de escritora e todos aprenderemos com suas lições e sabedoria.

Sobre a vida intelectual do ministro Dias Toffoli pouco sei. Naturalmente preencheu as exigências constitucionais para assumir o cargo. Caso contrário, não teria passado pela sabatina do Senado. Agora teremos a oportunidade de conhecê-lo de perto e julgar com serenidade seu desempenho.

A imprensa fala frequentemente de seu perfil de adepto da conciliação. Então terá agora de mostrar na prática esta virtude. Naturalmente sabe o ministro que a tendência em todo o mundo é a solução de conflitos fora do Judiciário, que ficará reservado para casos difíceis e complexos.

O Direito Processual, embora ponha ordem no conflito, é dotado de normas rígidas e formais que muitas vezes emperram a solução das controvérsias dificultando a conclusão final. Vivemos no pós-moderno, numa sociedade conflituosa e complexa. As pessoas e os grupos sociais reivindicam seus direitos com frequência. Se o Estado não é capaz de oferecer uma resposta rápida e segura, gera a insatisfação social e a frustração coletiva. Daí o conceito negativo do Judiciário não só aqui, mas em todo o mundo.

Para enfrentar esta onda de reivindicações, nasceu o princípio que hoje já está implantado em todas as nações: a solução extrajudicial de conflitos, tanto no Direito Público e principalmente no Direito Privado. Haverá, portanto, um desafogo do Estado que delegará a órgãos não oficiais a solução de interesses em conflito.

Nestas circunstâncias, atuará o ministro Tofolli, moldando esta nova realidade e abrindo caminho para novos valores que. Não bastam palavras retóricas nem afirmações discurseiras. A grandiosidade do momento exige enfrentamentos diretos e enérgicos, pois estão em jogo interesses que influenciarão o desenvolvimento social e político do país.

Se arrancarmos do Judiciário este monopólio e devolver ao povo a faculdade de resolver seus próprios problemas, teremos dado um passo qualitativo para o aperfeiçoamento de nossas instituições. Há inúmeros modos e meios de compor oposições de interesse que não seriam possíveis de ser enumerados neste curto espaço.

Mas todos deságuam no mesmo fim: se é o homem que cria seus próprios problemas, cabe a eles resolvê-los antes de tudo. O Estado ajudará com sua função reguladora, mas os donos do jogo serão os próprios cidadãos.

O ministro terá pela frente um caminho difícil e cheio de corporações irredutíveis. Não importa. Dificuldades existem para ser vencidas. O Brasil precisa de coragem e esperança.

*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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