Filipe Greco De Marco Leite*
Em recente decisão em sede de Recurso Especial (REsp nº 1.628.974 – SP), o Superior Tribunal de Justiça admitiu de forma expressa a possibilidade de cobrança de dívidas oriundas de jogos de azar contraídas fora do Brasil. O caso teve sua origem em uma ação monitória ajuizada por um cassino situado nos Estados Unidos contra um cidadão brasileiro.
A ação buscava o pagamento, pelo brasileiro, do valor de US$1 milhão, representados por cinco títulos assinados por ele em favor do referido cassino. O recorrente se insurgia contra decisões provenientes das instâncias ordinárias que admitiram as pretensões do cassino, determinando que o réu efetuasse o pagamento das quantias por ele devidas.
O principal argumento apresentado pelo devedor para buscar impedir a cobrança dos valores por ele devidos se assentava na ilicitude, em seu entendimento, de cobrança, no Brasil, de dívidas provenientes de jogos de azar, uma vez que, segundo sustentou, tal prática afrontaria a ordem pública e soberania nacional brasileiras.
A análise feita pela Corte, destacando a escassez de precedentes sobre o tema, tanto provenientes do próprio Superior Tribunal de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal – quando este tinha competência para homologação de sentenças estrangeiras – considerou, corretamente, que a questão mereceria análise sob a legislação do direito internacional privado.
Nesse sentido, a Corte colacionou a previsão contida no art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a qual aponta como aplicável para qualificar e reger determinada obrigação a lei do local onde tiver referida obrigação sido constituída. No entendimento da Corte, a lei aplicável para qualificar e reger a obrigação objeto do caso dos autos seria a lei americana, especificamente a lei do Estado de Nevada, no qual se encontra a cidade de Las Vegas, local onde fora a obrigação constituída.
O ponto mais contundente da análise efetuada pela Corte a partir das premissas acima assentadas, diz respeito à compatibilidade da referida cobrança à luz das limitações impostas pelo art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro no que diz respeito à possibilidade de ofensas à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes. De maneira extremamente lúcida e acertada, a Corte afirmou que “não ofende a soberania nacional a cobrança de dívida de jogo, visto que a concessão de validade a negócio jurídico realizado no estrangeiro não retira o poder do Estado em seu território e nem cria nenhuma forma de dependência ou subordinação a outros Estados soberanos”.
A orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça se mostra, assim, absolutamente moderna e compatível tanto com os preceitos do direito interno brasileiro quanto com o melhor entendimento sobre questões atinentes ao direito internacional privado tal como qualificação e determinação da lei aplicável. A decisão, ademais, se mostra em linha com o que já era, há muito, defendido pela melhor doutrina sobre o tema, que chegava a afirmar que a possibilidade de cobrança, no Brasil, de dívida de jogo contraída no exterior consistiria “medida corretiva que protege credores (1)”.
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(1) POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. Aspectos do Direito Internacional Privado Relativos às Dívidas de Jogo Contraídas no Estrangeiro: Lei Aplicável às Obrigações e Contornos da Ordem Pública. Revista dos Tribunais. Vol. 876/2008, p. 68.
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*Filipe Greco é associado de Grebler Advogados, e atua na área de arbitragens perante a Câmara de Comércio Internacional (CCI) e perante diversas câmaras de arbitragem brasileiras.