Bruno Terra Dias*
Juízes não são heróis. O herói, na acepção própria do termo, enfrenta e supera desafios supra-humanos no instante de sua ocorrência. O juiz, diferente do herói, a despeito de sua relevante missão pacificadora, chega após o fato consumado, apura responsabilidades, decide quem vai sofrer consequências; não enfrenta, não sucumbe nem supera fatos com que se defronta o herói. O mesmo se pode dizer do policial, do advogado e do promotor de justiça (ou procurador da república), pois colhem provas da existência do fato e apontam autoria e responsabilidade. Todos são importantes, mas nenhum desses é herói, no sentido que a literatura clássica aponta.
Os profissionais da área jurídica, e os juízes de direito em particular, são, hoje, mais propriamente cronistas da tragédia cotidiana, de um conflito entre a pessoa, o indivíduo, e as forças que combate. Os últimos cinquenta anos foram pródigos em acontecimentos que fazem pensar na imagem do confronto mediado pelo direito. Assim foram os que concederam habeas corpus, no período de 1964 a 1985; os que, pela especialização de suas varas, afrontam o crime organizado, a improbidade administrativa, a preservação do patrimônio histórico e do meio-ambiente; os que asseguram a lisura das eleições nos rincões mais sofridos.
Ultimamente, o enfrentamento de corrupção endêmica, instalada desde antes da independência do país, desnuda fossos sociais, desigualdades insuportáveis, comprometimentos, sacrifícios impostos à vida e ao acesso aos benefícios da civilização, impondo atrasos que nos envergonham internacionalmente. Crônica escrita a múltiplas mãos, em combinação de esforços, exigindo o máximo de policiais, promotores, advogados e juízes de direito com atuação nos diversos graus de jurisdição.
Os escritores dessa página da história judiciária nacional chegarão a um consenso sobre o que seja a verdade e o que seja a solução que mais se aproxime de repor tudo em seu devido lugar? Provavelmente não. O problema é maior que as possibilidades humanas e legais dos profissionais em atuação; exige diagnóstico apurado de muitas variantes, proposição, implementação e execução de políticas públicas que sejam abraçadas como compromisso de Estado e não de transitórios governos.
Os heróis são insubstituíveis; magistrados fazem carreira e se habilitam aos julgamentos mais complexos; o brilhantismo de alguns os coloca no panteão dos maiores. O heroísmo dos juízes de direito não está nos autos dos processos, mas na busca e afirmação da verdade das tragédias em que se homiziam os espíritos fracos dos que atentam contra a segurança, a saúde, o patrimônio público, o transporte, a moradia, as garantias e as liberdades conquistadas. Não haverá outro Ulisses, não haverá outro Tiradentes, não haverá outro Tancredo, mas haverá sempre bons juízes dispostos ao sacrifício.
(*) Juiz de Direito, ex-presidente da Associação dos Magistrados Mineiros - Amagis