Antônio Álvares da Silva*
Sob o título de “Fantasma da Greve volta a lotar Postos”, o Hoje em Dia publicou oportuna matéria esclarecendo a possibilidade de nova greve de caminhoneiros, ocasionando corrida aos postos de gasolina. O assunto é gravíssimo. A última greve da categoria teve efeitos corrosivos e destruidores na economia nacional, inclusive sobre o PIB nacional, que foi rebaixado.
A greve é hoje um instrumento democrático previsto em todas as Constituições ou leis de todo o mundo civilizado. Regulariza e estabiliza a relação de trabalho, prevendo direitos aos trabalhadores para compensar o poder de comando e direção do empregador. Equilibrando a ausência voluntária da prestação de trabalho pelo empregado, contra os poderes do empregador, gera-se o ponto ideal de harmonia necessário ao funcionamento da produção capitalista.
Se as categorias sociais e econômicas não são capazes deste balanceamento, o Estado torna-se incapaz de prover o bem-comum, o que pode redundar num colapso social de grande alcance destrutivo. Por isto, as partes – empregados e empregadores – tendo o Estado como agente moderador, devem usar da greve com sabedoria e equilíbrio, pois ela é instrumento para servir e não destruir o funcionamento das instituições democráticas.
O sindicato dos Transportadores de Combustíveis e Derivados de Petróleo (Sinditanque) alega que o tabelamento do frete mínimo pelas distribuidoras violou o que fora combinado. Este fato, associado ao aumento do óleo diesel, torna-se inviável o trabalho dos motoristas, segundo o sindicato.
Até aqui, o problema se circunscreve ao Direito Coletivo do Trabalho, pois o confronto de interesses é patrocinado pelos sindicatos das categorias. Acontece que associações, sem poderes sindicais, interferem no conflito, tais como a União dos Caminhoneiros do Brasil que promete greve, sem ter poderes para isto, pois esta competência é prerrogativa dos sindicatos pela Constituição brasileira. Não existe greve de associações, a não ser a sindical.
Mas a prática é diferente da teoria. O fato é que os sindicatos, reforçados por associações, formam um potente bloco de pressão, ao qual se aderem até mesmo associações de empregadores interessadas no aumento dos fretes e outros benefícios, tais como financiamentos, facilidades de crédito, barateamento ou exclusão de pedágios etc.
Numa democracia a toda força se opõe uma outra, igual e contrária para que haja o equilíbrio necessário. Os tribunais do trabalho podem considerar, por analogia, que as associações que participarem do movimento se equipararem aos sindicatos e, se houver excesso, puni-las com sanções econômicas, cassação de personalidade jurídica, sanções penais generalizadas etc.
Se há um fato novo, o Direito tem que lidar com ele, trazendo-o à legalidade. Se não há previsão legal, recorre-se à analogia. O fato é que a sociedade não pode ser lesada e a lesão ficar impune. Qualquer concessão neste sentido impossibilita a vida social.
Segundo consta da reportagem citada, a Associação Nacional de Transporte do Brasil afirmou que está cogitando de greve no período das eleições. Isto significa que há uma ameaça explícita às instituições democráticas, das quais a eleição popular é um dos pilares básicos.
O momento exige ponderação das partes envolvidas. O governo não pode tolerar que a todo instante haja greves danosas à economia nacional. Ninguém tem o direito de ameaçar o a vida democrática necessária ao funcionamento das instituições econômicas e sociais. Sentar e negociar é o meio mais eficiente de resolver impasses e interesses. Ninguém, seja indivíduo ou classe social, pode pôr em risco os interesses maiores do país.
O homem é um ser racional e deve usar a razão em seu próprio benefício. Governo, empregadores e empregados devem saber onde está o erro e corrigi-lo. Cícero já dizia há mais de 20 séculos: Ratio docet et explanat, quid faciendum et fugiendum sit [Cícero, De Officiis 1.101). A razão ensina e explica o que deve ser feito ou evitado
Também nossa CLT prescreve que nenhum interesse de classe ou individual pode superpor-se ao interesse coletivo. Este é o ponto a partir do qual não existe mais vida social possível. Todos deveriam conscientizar-se desta verdade que a experiência humana através dos tempos nos ensinou há mais de 20 séculos.
*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG