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Quarta-Feira,25 de Setembro

Lula e o Direito Internacional

22/08/2018 às 20:18.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:03

Antônio Alvares da Silva* A prisão de Lula suscita mais um problema, desta vez de ordem internacional. O Comitê de Direitos Humanos da ONU expediu decisão, com base em requerimento do interessado, em processo que corre perante o órgão. A referida decisão determina que o “o estado-parte tome todas as medidas necessárias para garantir que o autor goze e exerça seus direitos políticos enquanto estiver preso, como candidato na próxima eleição presidencial, incluindo o acesso à mídia e a membros de seu partido político, de modo a não impedir a participação na eleição de 2018 até que se esgotam os recursos relativos à sua prisão, através de procedimento judicial correto e a prisão se torne definitiva.” Este é em substância o comando do Comitê. A questão agora é esta: esta decisão é executável ou se trata de mera recomendação? Todas as produções normativas no campo do Direito Internacional existem para ser cumpridas. Não se trata de mero exercício de ficção jurídica, à espera da boa vontade dos estados a elas submetidos para seu cumprimento. Se assim fosse o Direito Internacional seria um repertório de conselhos e não um meio de garantir direitos internacionalmente reconhecidos. O decreto 592/92, que promulgou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, determinou expressamente, em seu art. 1º, que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém. Neste Pacto, criou-se o Comitê de Direitos Humanos, art. 28, para velar pelos direitos nele garantidos. Portanto o Comitê agiu em nome do Pacto que garante em diferentes passagens os direitos humanos. E o Brasil, no preâmbulo da promulgação, prometeu cumpri-lo “tão inteiramente como nele se contém.”Conclusão: a decisão do Comitê não tem natureza meramente suasória, ou seja, seu conteúdo não é um simples conselho ou desejo. Trata-se de uma norma de natureza internacional, que deverá ser cumprida imediatamente. Antônio Augusto Cançado Trindade, juiz da Corte Internacional de Justiça e um dos maiores juristas brasileiros, salienta em seu livro “A proteção internacional dos direitos humanos” (página 47), que se deve dar aos tratados de direitos humanos uma interpretação objetiva que jamais suprima ou restrinja direitos garantidos numa convenção. É isto que o Estado brasileiro terá de fazer de acordo com a Constituição brasileira, segundo os parágrafos 1,2,3e 4 do art. 5º, interpretados objetivamente conforme a lição de Cançado Trindade. Note-se, entretanto, que o ato do Comitê não é decisão de mérito, conforme consta expressamente de seu texto, mas sim de medida liminar para garantir ao ex-presidente Lula o direito de participar da eleição presidencial.  Obedecida a liminar, difíceis questões jurídicas terão que ser decididas no curso do processo: a sentença contra Lula já transitou em julgado, ou ainda cabe recurso? Deve agora o Judiciário se posicionar: vai ser seguida a jurisprudência atual, ou seja, trânsito em julgado no segundo grau, ou será mudada, levando-se em conta que pode haver recurso para o TSE e até para o STF em matéria jurídica? A liminar garante o acesso à mídia, aos colegas e aos atos de campanha. Como isto será assegurado, se Lula está preso? Ser-lhe-á garantido sair para comícios, mediante escolta, e depois retornar para dormir na prisão? Se participar das eleições e for eleito, como indicam as pesquisas, governará o país de dentro de uma penitenciária, que de dia será o gabinete do Presidente da República e de noite seu quarto de repouso? O art. 1º, alínea “d” da Lei Complementar 64/90 diz que são inelegíveis para qualquer cargo: “os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes.” Lula foi condenado por órgão colegiado – o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em processo de abuso do poder econômico ou político. Mas esta decisão ainda não transitou em julgado. Tudo dependerá do transcurso do tempo até outubro, data da eleição, ou da orientação jurisprudencial do STF a respeito de quando se dá o trânsito em julgado das decisões de segundo grau. O abuso do poder econômico ou político, em que se fundamentou a sentença na Justiça Federal, tem o mesmo sentido para efeitos eleitorais? Que seria o poder econômico e político em que o ex-presidente teria incorrido? Efeitos penais e eleitorais são os mesmos? Vê o leitor que muitas questões serão discutidas. Quanto mais se aumentam os pontos de interrogação, crescem também, em igual importância, as perguntas até agora sem respostas. Isto mostra a importância da Ciência do Direito para a vida social e política dos povos.  Temos de confiar no bom senso e equilíbrio de nossos juízes, pois eles estão no cargo exatamente para resolver problemas difíceis a fim de que a nação não caia no descrédito internacional, nem permita que, por paixões políticas, a sociedade caminhe para o caos e a desordem. *Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG 

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