Logotipo Hoje em DiaLogotipo Hoje em Dia
Jornal impresso
Segunda-Feira,28 de Outubro

Mariana, uma tragédia sem fim

08/10/2018 às 21:29.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:52

Antônio Álvares da Silva*

O rompimento da barragem de rejeitos da Samarco é a maior tragédia ecológica do Brasil e uma das maiores da era industrial. 35 milhões de metros cúbicos de sujeira industrial foram lançadas sobre o Rio Doce, encharcando de impurezas seu leito de 853 km de extensão. A bacia hidrográfica de 83.400 km ² envolve 228 municípios entre Minas e Espírito Santo e uma população de 3,2 milhões de pessoas equivalente à de BH.

Com estes simples dados, vê-se a sombra destruidora da tragédia, extinguindo milhares de organismos vivos, desde o homem à fauna, numa triste demonstração de que o Brasil é incapaz de gerir suas riquezas e preservar a prodigiosa natureza de que foi dotado.

Naturalmente este quadro sombrio transfere-se para o Judiciário a fim de que haja reparação aos lesados dos infindáveis danos através de diferentes ações cíveis, penais e trabalhistas, numa verdadeira avalanche de ações que o Judiciário dos respectivos municípios não tem condições de administrar e julgar.

Agora, segundo notícia publicada na imprensa, a empresa anglo-americana SPG Law pretende propor em tribunais ingleses as ações de reparação de danos, que poderão atingir a cifra de 25 bilhões de reais e serão propostas pelo escritório de advocacia SPG Law contra a empresa BHP Billigton, da qual a Samarco é subsidiária. Como esta empresa comercia suas ações em Londres, nasceria daí a competência territorial da ação.

Se houver acordo ou condenação, a quantia recebida será repassada ao escritório da empresa proponente da ação que por sua vez a entregará aos autores da ação.
A ação será proposta perante a High Court of Justice, que é presidida por um juiz especializado em ações de danos coletivos que se cerca de peritos também especializados neste tipo de demanda. Aplicar-se-á o direito brasileiro em corte inglesa, segundo informações do advogado Tom Goodhead, sócio do escritório anglo-americano de advocacia SPG Law.

É uma nova esperança que passam a ter os lesados cujas ações perante o Judiciário correm lentamente em razão das falhas materiais e jurídicas para tal tipo de ação, não obstante o grande esforço dos agentes jurídicos que atuam nos processos. Não se pode acusá-los da demora se não dispõem dos meios necessários.

Como a tragédia afetou 228 municípios, podem teoricamente ser propostas ações em todos eles, de diferente natureza, todas exigindo a produção específica de prova para cada tipo de ação ou classe de ação. Também não se pode negar o direito de defesa da empresa apontada como responsável pela tragédia. Trata-se de garantia constitucional.

Mas também está na Constituição, no art. 5º, LXXVIII, que a todos são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Entre estes dois valores, procuram-se o justo meio e o necessário equilíbrio das ações judiciais: o réu tem o direito de defesa e o autor faz jus à razoável duração do processo. Neste ponto simbólico, localiza-se o ideal da Justiça.

Com a entrada do escritório anglo-americano, renovam-se as esperanças dos lesados em receber o que têm direito, pois a especialidade e o pragmatismo do processo civil inglês e americano podem sem dúvida ajudar nestes casos.

Porém tudo deve ser visto com moderação e prudência. O Judiciário em todo o mundo sofre constantes críticas pelo atraso e burocracia. Não se hão de esperar soluções mágicas e milagres. Henry J. Abraham, em seu conhecido livro The Judicial Process, pág. 165, relata o caso da adolescente Nancy Verona que foi atropelada por um automóvel nos Estados Unidos. Quando seu caso veio a julgamento ela já era mãe e trazia no colo uma criança de tenra idade durante a sessão.

Porém uma coisa é certa: em países europeus há mais seriedade nas instituições do que por estas terras de Cabral. Pode ser que a “solução inglesa” dê certo e o processo seja julgada sem as conhecidas dilações do processo brasileiro, cheio de voltas, formalidades e recursos.

Que assim seja. Já é hora de a população lesada pelo desastre da Samarco ouvir palavras de apoio e esperança. Nunca deve faltar nos homens a crença da justiça.

*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG
 

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por