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Domingo,20 de Outubro

Misérias da jurisdição penal

11/01/2017 às 20:42.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:23

Antônio Álvares da Silva*

As recentes reportagens da Folha de São Paulo e do Hoje em Dia mostraram com objetividade e clareza a gravidade do problema da jurisdição penal no Brasil. A fase judicial, compreendendo o inquérito policial, denúncia, pronúncia e recursos vários pode durar muitos anos. Em BH, o julgamento de um homicídio doloso leva 9 anos para chegar ao fim. Muitas vezes há prescrição, perdendo-se todo o esforço da ação penal.

Depois, vem o problema do cumprimento da pena. Temos hoje a quarta população carcerária do mundo depois dos Estados Unidos, China e Rússia. Não há infraestrutura. Um preso custa mais de dois mil reais. A superlotação impede a finalidade reconstrutiva da pena. A grande maioria é condenada por crimes de natureza individual: roubo, furto, tráfico de drogas, receptação, peculato. A maioria deseja reinserção na sociedade, segundo a pesquisadora britânica Fiona Macaulay, que estuda há vários anos as prisões brasileiras. Porém a estrutura deficiente aumenta a revolta, o ódio e a incerteza do futuro, impedindo qualquer elevação cultural, social, pessoal e afetiva do preso.

As autoridades agem separadamente, sem integração, diminuindo a eficácia da presença do Estado. Este espaço é ocupado pelas facções criminosas, ocasionando a matança recíproca que agora presenciamos. A falta crônica de vagas submete os presos a um cumprimento desumano da pena, daí as mortes por ocupação de um simples espaço no solo para repouso. A alimentação é da pior categoria e a higiene não existe. Doenças já extintas ressurgem nas prisões. Um quadro assustador e surrealista, indigno de um país que possui, não obstante tudo, a décima economia mundial.

A segurança dos presídios é precária. Faltam agentes. Disputas sobre competência entre guardas penitenciários e polícia complicam ainda mais o caos indominável. As facções criminosas ocupam lugar do Estado e ficam livres para matar os que não aderem a seus planos. Portanto há o crime sobre outro crime. A reabilitação neste caso é um sonho distante.

Já se disse que no Brasil há de fato a pena de morte instituída em certos bolsões sociais. A prisão é um deles. As mortes se multiplicam, individual ou coletivamente. São plenamente previsíveis. Mas as autoridades fecham os olhos, o que é uma forma de permissão da pena de morte por omissão. 

O excesso de prisão temporária leva à cadeia pessoas sem condenação que se misturam com criminosos comuns. Que se há esperar desta ambiguidade absurda? As Apacs, Associações de Proteção e Assistência aos Condenados, com sua atividade regeneradora e digna de elogio, são apenas uma minoria. Aqui os presos trabalham, aprendem profissão e ficam menos tempo no inferno das prisões. Por isto, barateia-se o custo de cada detento e diminui-se o prazo de cumprimento da pena. Pode ser um caminho, mas não para qualquer preso. É preciso bom comportamento, vontade de reinserção e disciplina pessoal, fatores difíceis de serem encontrados nas prisões.

Eis aí, em pinceladas rápidas, um dos maiores problemas do Brasil, cuja solução não veremos nos próximos anos nem talvez neste século. Temos que carregar nas costas mais esta chaga que humilha o país e nos faz perguntar se o ser humano é de fato um animal racional.

(*) Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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