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Sexta-Feira,8 de Agosto

Morte da CLT

31/05/2017 às 17:17.
Atualizado em 15/11/2021 às 15:16

Antônio Álvares da Silva*

A chamada “reforma trabalhista” se torna foco de discussão no Senado. Nosso legislador comete um erro notável. Está destruindo uma das melhores leis que temos sem pôr nada no lugar. O que presenciamos não é uma reforma, mas um desmonte da CLT. O Congresso comete um crime contra o país e se desvia do roteiro histórico que vínhamos percorrendo com êxito.

A CLT é de 1943. Nestes 74 anos de vida atuou positivamente na história social do Brasil. Precisa, sim, de algumas reformas, mas nunca como estão sendo feitas. Parece que o Congresso não conhece nada de Direito do Trabalho nem do país em que vive e para o qual legisla. A reforma é um fracasso. Não atinge os pontos que precisavam ser modernizados e destrói a parte boa que deveria permanecer. Agora vemos ruir o bom e permanecer o erro. Pior ainda: desmancha a CLT, tira-lhe o sistema e os valores em que se apoia, formaliza o que antes era simples e histórico e desperdiça a experiência vivida que, em matéria legislativa, é fundamental.

Ao contrário do que pensa o legislador, não precisamos de muita coisa para atualizar o Direito do Trabalho no Brasil e colocá-lo no caminho da modernidade. O principal eixo, pelo qual se deve construir a reforma, há de ser a área sindical, porque é aqui que se firma o Direito do Trabalho em todo mundo. Muito cedo, logo após a Revolução Industrial, o trabalhador percebeu que não conseguiria nada sozinho. As precárias condições de trabalho eram inumanas: jornadas de sol a sol, salários baixíssimos, condições precárias e aviltantes nos locais de trabalho. Sem normas protecionistas e com um poder público insensível às suas necessidades, o trabalhador procurou por si mesmo a solução de suas carências. Juntou-se aos colegas de trabalho e de miséria, fundou associações comunitárias, fortaleceu-se com a união recíproca. E assim nasceram os sindicatos, que se tornaram nos países civilizados uma entidade tão forte como a igreja. Passaram a ser consultados em tudo. Empenhou-se pela melhoria do trabalhador. Adquiriu respeito e lutou com bravura. Nada foi fácil. Houve derramamento de sangue e muito esforço. Mas as vitórias foram marcantes e as conquistas, de grande significado.

A maior delas foi o reconhecimento pelo estado moderno da capacidade legislativa dos sindicatos. Em vez de esperar pelo legislador estatal, sempre lento, conservador e retardatário, passaram a negociar as condições de trabalho com o empregador, que também se uniu em sindicatos. Em países como a Alemanha, 90% do direito individual nasce da negociação coletiva.

Portanto, é aqui que se deveria focar a reforma, em vez de criar minúcias e regrinhas que só servirão para incentivar demandas no Judiciário trabalhista, que já está abarrotado de reclamações. O certo será extinguir imediatamente a contribuição sindical e o chamado sindicato único. Romper com estas peias e soltar os sindicatos para negociarem livremente as condições de trabalho, com os naturais limites constitucionais e das leis imperativas, em que prevalece o interesse público. Tudo que está dentro da tal “reforma” poderia ser negociado diretamente entre os interessados. E note-se que a norma negociada é muito mais legítima do que a norma imposta pelo Estado, pois é um equilíbrio entre a necessidade do empregado e o poder econômico do empregador.

O resto seria objeto de mais algumas poucas regras e, com uma lei de alguns artigos, seria completada a reforma, que hoje se perde num montão confuso e desconexo de normas que destrói a CLT e nada põe em seu lugar. Que o povo se levante contra este absurdo, nas praças, nas escolas, nas fábricas, nas universidades, em todo lugar. Ainda resta um fio de esperança para salvar as relações de trabalho no Brasil.

(*) Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

  

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