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Quarta-Feira,8 de Outubro

O custo das campanhas

22/10/2018 às 21:06.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:22

Antônio Álvares da Silva*

A democracia se sustenta pela representação. No dia em que voltar a ser possível a democracia direta, tal como praticada na Grécia e em Roma, o próprio povo elegerá seus representantes. Hoje, a eleição direta tornou-se impossível em razão da dimensão e complexidade do Estado moderno.

A Constituição fala em representantes eleitos. Consequentemente autorizou eleições para a escolha popular. Mas este procedimento de escolha envolve atividades burocráticas que custam dinheiro. Daí se falar no custo das campanhas que constitui objeto de estudo do Direito Político e Constitucional.

O procedimento eleitoral em curso no país já custou até agora R$ 2,82 bilhões, dos quais 73% provieram dos cofres públicos através do fundo eleitoral e partidário. O restante veio de doações que corresponderam a R$ 764 milhões. Isto tudo até agora, faltando somar a este total o segundo turno ainda não terminado.

O STF, em decisão polêmica, proibiu a doação de pessoas jurídicas, sob o fundamento de que poderia haver vantagens para certos partidos ou candidatos em prejuízo de outros, não aquinhoados com doações, por exemplo, de grandes empresas.

Porém esqueceu-se de que toda pessoa é jurídica, seja ela pessoa física limitada ao homem ou coletiva , constituída de várias pessoas. As pessoas jurídicas são núcleos de referência dotados de capacidade, ou seja, aptas a praticar atos jurídicos e responder ativa e passivamente por eles. Esta lição de Kelsen é básica para entender o dinamismo do Direito em suas múltiplas aplicações.

Tão logo se estabeleceu a proibição, com ela já nasceu a fraude pois as empresas, por meio de seus diretores, executivos, conselheiros administrativos e representantes, podem doar como pessoa física que, no fundo, é a própria empresa.

A Cosan, por exemplo, uma das mais lucrativas e atuantes empresas do setor privado, que lucrou em 2017 cerca de R$ 5 bilhões, doou através do presidente do conselho de administração Rubens Ometto Silveira Mello 6,9 bilhões. Folha de São Paulo de 14.10.2018, p. A4. A doação é legítima e nada tem de ilegal. Como a lei exigiu pessoa física, assim se fez na pessoa de um representante, pois tanto pessoa física como jurídica são a mesma coisa, embora com competências distintas.

Como fazer para baratear e melhor adequar esta montanha de dinheiro? Não há dúvida de que a democracia impõe despesas, mas é preciso racionalizá-la, pois há outros setores da sociedade também carentes de verba pública: escolas, saneamento básico, segurança, instrução. A enumeração continuaria sem fim em país como o nosso onde há falta de tudo.

Os teóricos fazem sugestões diversas para ordenar esta dinheirama toda. A melhor, segundo meu entendimento, é a que impõe aos partidos o financiamento de seus próprios candidatos, através de verba que receberia de seus seguidores, fixando-se um teto para o doar, qualquer que fosse a fonte. Uma vez eleito, o candidato receberia salário condizente com o exercício do cargo, pago pelo poder público. Seriam imediatamente extintos os fundos partidário e eleitoral.

Com este mecanismo, simples, mas efetivo, haveria um desinflacionamento das campanhas, que permitiria a escolha de pessoas realmente vocacionadas para a função. Corrupção e caixa-dois acabariam automaticamente. A política deixaria de ser lucrativa e os oportunistas desapareceriam.

Pontes de Miranda dizia que “quem legisla é o mestre da vida social”, porque determina a conduta dos cidadãos, conduzindo-os para os valores éticos queridos pela norma. Com boas leis tudo se faz, desde que aplicadas e respeitadas. Mas é preciso homens honestos e vocacionados para fazê-las e um Judiciário competente e atuante para torná-las realidade. Manter ou não financiamento dos partidos políticos é apenas uma opção entre muitas outras. O que temos hoje pode ser melhorado sem prejudicar a livre vontade do povo.
Quanto à democracia, realmente ela tem um preço. Mas não é pelo dinheiro que se determina seu valor. Ela pode ser igualmente barata e boa.

*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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