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Segunda-Feira,6 de Outubro

País da hipocrisia

24/05/2017 às 18:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:42

Antônio Álvares da Silva*

O Brasil, nestes tempos em que vivemos, enfrenta a pior crise de sua histórica. Enf[/TEXTO]raquecido pelo subdesenvolvimento, seus mal<CW-23>es vieram bater na corrupção que acabou por arruiná-lo. Resta agora arranjar meios de recuperar o doente, num longo tratamento cujos resultados são incertos e duvidosos. Vivemos um momento em que, pela falta da moralidade pública, as instituições se esfacelaram, os homens públicos se apequenaram e a falácia da desonestidade passou a ser a regra cultivada pelos políticos, justamente os encarregados de conduzir os destinos do país para dias melhores.

Gravações criminosas, feitas sem consentimento, de validade incerta, são brandidas por criminosos para salvar a pele nas delações premiadas. Além de furtarem o dinheiro público, com falsas manobras jurídicas acobertadas por políticos no poder, agora procuram safar-se também da pena, numa demonstração de que entre nós a honestidade é um bem e a virtude, um mal.

Antes do epílogo da manobra que depôs Dilma Rousseff, escrevemos várias vezes neste pequeno espaço que o caminho escolhido era o mais perigoso. Independentemente do julgamento da pessoa da ex-presidente, ela foi escolhida por eleição até agora válida, na qual o povo expressou sua livre escolha. No entanto, os perdedores, muitos dos quais ocupam a crista dos atuais acontecimentos, patrocinaram politicamente o impeachment. Elevaram Michel Temer ao poder e pagam hoje o alto preço do que fizeram. Procuram agora também arrancá-lo da chefia da nação, através de outro expediente lastimável, baseado em gravação criminosa produzida por um empresário desonesto e beneficiário do dinheiro público, ou seja, do nosso próprio dinheiro.

A Ciência do Direito tem por finalidade instituir a paz e a ordem sociais. A certeza das expectativas é fundamental para que a sociedade prospere e o país progrida. Goethe, em célebre aforismo, disse que preferia a injustiça à desordem, naturalmente afirmando que a desordem destrói tudo e a injustiça pode ainda ser corrigida por mãos honestas e corretas de juízes e bons políticos.

Com base na gravação duvidosa, os mesmos segmentos golpistas agora querem a renúncia de Teme<CW0>r. Estamos trocando de presidentes anualmente, desestabilizando as instituições jurídicas e dando ao povo o pior exemplo que as autoridades possam dar: a do descumprimento da lei e do desrespeito à Constituição, cujo desacato torna acéfala a nação e desgovernada a vida social.

Temer disse repetidamente que não renunciará. E agiu muito bem, quando se pensa no bem maior da preservação de nossas instituições políticas. Não é possível que uma gravação materialmente contestada, suspeita de edições e acréscimos, lance fora do poder um presidente que, bem ou mal, assumiu-o com base no Direito e não em golpe militar ou político. Te<CW0>m que haver resistência aos golpistas jurídicos. É preciso que se prove a conduta antijurídica do presidente com fatos incontestáveis e certos, nunca através de gravações censuráveis, obtidas por meios que não se recomendam.

Enquanto se discute o imbróglio que sacode nossas instituições, o país parou. As reformas estagnaram-se. O plenário da Câmara dos Deputados esvaziou-se. A nau do poder público navega sem direção e foi lançada à deriva. O país só não foi à bancarrota porque a iniciativa privada, simbolicamente nas mãos dos empresários e dos trabalhadores, sustenta de pé a enorme máquina pública falida.

E agora? Somente há duas soluções: limpar a corrupção, mesmo que tenhamos de chamar Hércules para desviar com sua força o rio Orfeu, com cujas águas limpou as estrebarias de Augias. E finalmente apelar aos homens públicos, que sejam dignos da confiança que o povo depositou em seus mandatos.

(*) Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

  

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