Maicel Anesio Titto*
Há pouco mais de uma década, a ampliação do acesso à internet começou a mudar a forma de produção e divulgação de conteúdo tornando-a mais pulverizada e horizontal. A criação das redes sociais impulsionou ainda mais o alcance da informação e do conhecimento, mas também tem auxiliado a circulação de conteúdos falsos e com alto potencial ofensivo que atentam frequentemente contra a honra e a imagem de pessoas por meio de calúnia e difamação.
O botão compartilhar tornou-se espécie de gatilho de armas de distintos calibres na forma de computadores, tablets ou smartphones que podem atingir a honra e a reputação sob a justificativa do exercício do direito de livre expressão. Não há dúvida que a manifestação do livre pensar é um direito garantido pela Constituição e, portanto, é assegurado o direito à crítica, à discordância, à manifestação de indignação desde que haja respeito ao direito de terceiros.
Uma breve observação na timeline de nossos amigos em qualquer rede social pode apontar o mau uso da internet e um possível atentado à honra de qualquer pessoa. O que não parece não ser privilégio apenas das pessoas comuns, exemplo disso é caso que envolveu a apresentadora Monica Iozzi e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.
Numa prática comum para qualquer usuário de redes sociais a apresentadora compartilhou uma foto do ministro sobre a qual havia a palavra “cúmplice?”, seguida de legenda com a informação de que Mendes havia concedido habeas corpus a Roger Abdelmassih, médico condenado a 278 anos de prisão por ter cometido dezenas de estupros. A atitude custou caro à Monica Iozzi, que foi condenada a indenizar Gilmar Mendes em R$30 mil.
Tanto a Constituição Federal como o Marco Civil da Internet (Lei 12.965) garantem e asseguram a liberdade de expressão. No entanto, no caso específico, ficou clara a ofensa à imagem do ministro por ter sido atribuída a ele a cumplicidade de um crime.
Neste caso, pouco importa se a apresentadora foi ou não autora da montagem da foto, segundo o Código Penal, a punição é aplicável também a quem divulga a calúnia. O entendimento já era aplicado mesmo antes da existência da internet, uma vez que nos crimes contra a honra já se atribuía responsabilidade a quem replicasse notícia de potencial ofensivo através do “boca a boca”, independentemente, do que tenha feito o antecessor ao iniciar, enviar ou simplesmente replicar a informação.
O “boca a boca” interpessoal passou a contar com um alcance exponencial oferecido pela internet, que ainda é confundida com território livre e sem limite a ser respeitado, o que é um equívoco já que todos os atos praticados em território virtual são passíveis de punição.
A sentença que gerou polêmica trata exclusivamente do dano moral na esfera civil, mas é indiscutível que este tipo de conduta nas redes sociais implica na possibilidade de processo criminal que teria como agravante o fato de ser a vítima um funcionário público, e da ofensa ser por conta do exercício das funções, e a apresentadora ter utilizado meio que propiciou enorme divulgação.
A repercussão da decisão atribui-se, sem dúvida, ao fato de envolver pessoa formadora de opinião, abre um importante precedente para outros casos e ainda serve de alerta para todos os usuários de redes sociais de que a internet não é um território sem respeito e sem lei.
(*) Especialista em Direito Penal Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e professor de Direito titular da Faculdade Estácio.