Antônio Álvares da Silva*
O jornal Folha de S. Paulo publicou dia 14 uma entrevista com Pye Jakobsson, sueca, presidente da Global Network of Sex Projects, organização internacional que reúne hoje 200 entidades de prostitutas em todo o mundo.
Seus argumentos nos levam a refletir sobre o comércio sexual no mundo e traz muitas e lúcidas ideias sobre a questão. Suscita a possibilidade de debater o tema em termos científicos em vez de apresentá-lo como um tabu pronto e intocável, criminalizado direta ou indiretamente em boa parte do mundo.
A primeira conclusão é que este tipo de comércio existe desde tempos imemoriáveis. Em Roma e na Grécia a prostituição era bem remunerada e inclusive pagava-se pesada carga tributária para seu exercício. Na Idade Média as prostitutas participavam das cortes e tinham relacionamento com pessoas de prestígio. No mundo de hoje é um comércio amplamente difundido, com propagandas na imprensa e agências especializadas.
O fato existe e a atitude do jurista, se quiser ser digno deste nome, deve dele tomar conhecimento e encaminhá-lo a um tratamento justo e humano. A informalidade no setor, como afirma Pye Jakobsson, é que propicia os absurdos que presenciamos todos os dias: exploração de crianças, turismo sexual, que traz para os países em desenvolvimento pedófilos de todo o mundo, que se aproveitam da miséria para a prática sexual.
O que a instituição, da qual a líder sueca é presidente, pretende formalizar é o que já existe. Retirar do anonimato e das sombras um fato social de ocorrência generalizada, e tratá-lo como profissão reconhecida. Isto tornaria a profissão, que já existe de fato, uma entidade jurídica. O comércio sexual se faria em bases legais e claras. Haveria chance de controle da prostituição e dos fatos que a ela levam. Quem a empreende como empresa teria de cumprir as leis trabalhistas, assinar carteira, pagar salários com recolhimentos previdenciários a fim de que não houvesse abono e privação em caso de doença.
Entidades coletivas e sindicatos fiscalizariam a parte funcional das empresas que se especializassem no ramo, cuidando do salário, garantindo-se patamares mínimos que seriam profissionalmente fixados. Haveria uma negociação coletiva em bases diretas e objetivas.
Uma das reivindicações de Pye Jakobsson é este reconhecimento da profissão. Tratar a prostituta como uma decaída e a profissão exercida como um submundo é o que expõe, segundo ela, a mulher a violências e tratamentos discriminatórias. A profissão seria vista como outra qualquer, à qual adeririam voluntariamente quem a achasse atrativa, inclusive quanto a salários.
Numa reunião na 15ª Cia de Polícia, entre a comunidade e prostitutas que atuavam nas ruas próximas ao Museu de Arte da Pampulha, viu-se que não se tratava de uma questão de polícia, mas de tratamento correto da situação, pois a queixa dos moradores era contra o fato de estarem sendo importunados pela presença indesejada de mulheres que, muitas vezes, praticavam sexo explícito no local. Não houve um morador sequer que criticasse a atividade em si mesma mas seu exercício em lugar inadequado. Nenhuma mulher pediu auxílio para mudar de profissão. Pelo contrário, rejeitaram qualquer proposta de intermediação para obter outro emprego. Estavam satisfeitas com o que já tinham.
Está, pois, na hora de rever o problema. Com a institucionalização da profissão, as mulheres e a própria sociedade terão mais chance de controle do turismo sexual, de menores exploradas, das doenças, da violência.
Está na hora de arrancar a máscara da hipocrisia e ver os fatos como eles são. A prostituição precisa ser legalizada para que às prostitutas, como a qualquer trabalhador ou trabalhadora, sejam reconhecidos direitos que possam ser reivindicados. Solidariedade e respeito valerão muito mais do que repressão, preconceitos e rejeição.
(*) Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG