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Segunda-Feira,7 de Abril

Uso de informações privilegiadas

07/07/2016 às 06:00.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:10

Roberto Papini*

Historicamente, o mercado de capitais sempre esteve exposto a riscos que ameaçam seu crescimento, solidez e credibilidade. Nesse contexto, a resposta do legislador, ao longo das últimas décadas, foi a incriminação de condutas lesivas ao mercado, o que nem sempre se erige como solução definitiva na área de negócios, na qual a criação legislativa se posta permanentemente atrás dos acontecimentos.

Cumpre-nos esclarecer que, quando falamos em mercado de capitais, também denominado mercado de valores mobiliários ou de ações, estamos nos referindo a um dos segmentos do mercado financeiro, considerando operações próprias e típicas desse ambiente. No entanto, operações envolvendo outros valores mobiliários, especialmente as debêntures e as negociações das ações no mercado secundário (bolsa e balcão), também fazem parte do mercado de capitais. 

Constituem marcos regulatórios do mercado de capitais em nosso país as leis federais nº 4728/65 (Lei do Mercado de Capitais) e nº 6.385/76, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Na esfera criminal, a lei nº 7.492/86 (Lei dos Crimes do Colarinho Branco), que define as violações contra o Sistema Financeiro Nacional, dispõe sobre a intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras.

No entanto, no que concerne aos ilícitos penais próprios do mercado de capitais, as modificações mais importantes foram introduzidas no ordenamento jurídico por meio da lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001. A partir dessa norma, tais ilícitos, até então tidos apenas como infrações de natureza administrativa, passaram a constituir também ilícitos penais. 

Uma das práticas penalmente tipificadas pela lei nº 10.303/01 é o uso indevido de informação privilegiada, que há anos tem sido alvo de preocupação de legisladores e autoridades responsáveis pelo controle do mercado. A modalidade delituosa, que no âmbito do mercado de valores mobiliários é comumente chamada de insider trading, mais do que causar prejuízos diretos aos investidores, pode abalar o mercado em sua própria essência.

Por isso, a criminalização dessa prática, reforçando o direito dos investidores à equidade das informações, fortalece a confiabilidade do mercado e contribui para o seu desenvolvimento.

Ao longo dos últimos anos, a CVM tem cumprido com eficiência o seu ministério institucional de detentora do poder de polícia no combate ao uso indevido de informações privilegiadas. A permanente fiscalização feita pelo órgão regulador propicia a descoberta da prática de insider trading e a abertura de dezenas de investigações. Por outro lado, na esfera judicial, desde a criminalização da modalidade, em 2001, até pouco tempo atrás, não passavam de duas as ações penais por esse crime.

Na primeira ocorrência do gênero, o uso de informação privilegiada estava relacionado com a oferta hostil da compra da Perdigão pela Sadia, que buscava obter o controle da concorrente por meio de Oferta Pública de Aquisição (OPA). Com as investigações, dois executivos da Sadia que participaram da operação foram denunciados pelo Ministério Público Federal de São Paulo, em 2009. 

Recentemente, em instância judicial, o Superior Tribunal de Justiça (Resp nº 1.569.171) manteve a condenação dos dois executivos, com pena privativa de liberdade e multa aplicada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). Um deles, contudo, foi afastado da condenação para reparação de danos morais coletivos, fixada pelo TRF3 em R$ 254,3 mil.

Acredito que a importância desse julgamento pode guindá-lo a leading case, com importante repercussão na jurisprudência e notável contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais. Por tudo isso, é recomendada prudência enquanto se aguarda a publicação do acórdão, para que, posteriormente, possa ser feita uma avaliação mais segura dos fundamentos da decisão.

(*) Advogado e sócio-coordenador da Área Societária da Andrade Silva Advogados

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