(Editoria de Artes/Hoje em Dia)
O Aedes aegypti se tornou um dos grandes “vilões” da saúde pública. É responsável pela transmissão da dengue – que só neste ano atingiu cerca de 740 mil pessoas no Brasil, segundo o Ministério da Saúde –, da febre chikungunya e do Zika vírus, que acaba de chegar ao país. Combater o inseto, porém, é quase impossível na avaliação de Geane Andrade, coordenadora do programa estadual de controle da dengue desde 2011.
Neste ano, a ausência de chuvas até poderia resultar em uma redução no número de casos. “Mas as ações para economizar água contribuíram para aumentar a infestação. Mesmo sem chuvas, o mosquito achou locais para se reproduzir”, diz.
O Ministério da Saúde afirma que o país enfrenta uma epidemia de dengue. O quão problemática é a situação em Minas Gerais?
A ameaça de epidemia é permanente. Mas, até março de 2015, Minas teve um número de ocorrências um pouco menor em relação ao mesmo período de 2014. Os dados de abril ainda não servem de referência porque falta a confirmação de alguns exames. Hoje, nada indica que enfrentamos uma transmissão epidêmica. Não significa que estamos despreocupados, até mesmo porque, neste momento, temos regiões do Estado com transmissão mais alta de dengue.
Quais são as regiões que merecem mais atenção?
Sul, Centro-Oeste, Triângulo e Central. A surpresa é a região Sul, onde alguns municípios tiveram transmissão altíssima, inclusive com óbitos. Foi algo novo pra gente. Desde 2013, percebemos que o perfil de transmissão está mudando naquela região. Acreditamos que as alterações se devem, sobretudo, às condições climáticas. O Sul sempre foi frio e os casos praticamente cessavam em alguns períodos. Agora, temos calor de 25ºC nesta época do ano, uma temperatura adequada para proliferação do Aedes aegypti.
E as outras regiões?
Tradicionalmente, apresentam temperatura e clima propícios para o inseto. No Centro-Oeste, o problema maior está em municípios próximos à Divinópolis. No Triângulo, cidades muito populosas também tiveram número expressivo de casos. A região Central é muito estratégica por concentrar a região metropolitana, onde há um enorme aglomerado urbano. Mesmo que não enfrente uma epidemia, temos sempre um cuidado maior com essa região.
A chuva é um dos fatores que contribuem para o aumento dos casos de dengue. Mesmo com um verão mais seco, há locais com muitos problemas. A que isso se deve?
Em 2015, com ou sem chuva, o Aedes aegypti teve lugar para se reproduzir. As pesquisas larvárias mostraram que a maioria dos depósitos são domésticos. O balde, o tambor, o tonel estão sendo utilizados para guardar água. É preciso vedar bem os recipientes. Caso contrário, resolve-se o problema de escassez de água, mas cria-se outro, gravíssimo, que é o foco de dengue dentro de casa. Algumas larvas já nascem portando o vírus da dengue.
Que outros fatores fazem oscilar tanto o número de casos de um ano para o outro?
É multifatorial. Em 2013, que foi um ano trágico, tivemos mudança de gestão em 80% dos municípios mineiros. Equipes de saúde e de limpeza urbana foram desmobilizadas quando iniciava o tempo de chuva. A entrada de um novo sorotipo também tem que ser considerada, bem como a imunologia de cada paciente. Estudos mostram que quem pegou dengue se mantém imune a todos os sorotipos por certo tempo. Essa proteção temporária contribui para redução de casos de um ano para o outro. A participação da população também influencia. Após viver uma transmissão alta, a tendência é que a comunidade fique mais mobilizada no ano seguinte.
Quais são as principais ações adotadas hoje pelo Estado para combater o mosquito?
Temos equipes de força-tarefa que vão em várias cidades, todos os anos, para realizar ações de contingência. Temos veículos de UBV (Ultra Baixo Volume, utilizado para combater mosquitos), bombas de fumacê, inseticidas e insumos para serem alocados nos municípios. Temos núcleos regionais de mobilização espalhados pelo Estado que orientam os municípios nas suas ações de contenção de transmissão. Também trabalhamos na assistência, implantando unidades específicas de tratamento de dengue e capacitando servidores da área.
Tantos investimentos são feitos e o Aedes aegypti continua circulando. O que falta para conseguir dar um fim definitivo à dengue? É algo utópico demais?
A dengue foi um problema erradicado no Brasil nos anos 1950. Na década de 1980, os casos voltaram a aparecer. A diferença é que, no passado, não acumulávamos tanto lixo. Hoje, para cessar a transmissão, duas ações poderiam ser mais eficientes: há institutos pesquisando vacinas. É um estudo longo, mas promissor. A segunda opção é a eliminação do Aedes aegypti.
O que tem sido feito para impedir a entrada do Zika vírus em Minas?
As ações são as mesmas para controle da dengue, uma vez que trata-se do mesmo vetor. Para o chikungunya, capacitamos equipes de epidemiologia. Devemos fazer o mesmo para o Zika vírus. As equipes municipais de assistência precisam estar em alerta. Se um paciente apresentar sintomas semelhantes aos da dengue, mas o exame der negativo para a doença, é preciso percorrer outras formas de diagnóstico.
Visão pode ser afetada por doença; hemorragia nos olhos é rara, mas grave
Quais são os males trazidos pela dengue? A resposta está na ponta da língua de quase todos os brasileiros: febre alta, dores musculares e nas articulações, enjoos, vômitos, entre outras indisposições. O que muita gente não sabe é que, em algumas pessoas, a doença também afeta a visão. Os casos são raros, afirmam os especialistas. Mas ignorar os sintomas ou não buscar tratamento pode tornar grave um problema que, com a devida atenção, seria facilmente contornado.
O perigo está relacionado a hemorragias que atingem a esclera (parte branca dos olhos), o vítreo (substância gelatinosa e transparente na parte interna e posterior do olho) ou a retina. “Em todos os tipos de sangramento, a causa é a mesma. O vírus da dengue causa uma agressão no sistema de coagulação do sangue, que provoca uma baixa de plaquetas. A consequência disso é a hemorragia, que pode ocorrer no nervo ótico”, explica Luiz Carlos Molinari, diretor do Departamento de Oftalmologia da Associação Médica de Minas Gerais.
A hemorragia na esclera, também chamada de hemorragia subconjuntival, é a mais fácil de identificar, e a que menos traz prejuízos ao paciente. “Os olhos ficam bastante vermelhos, o que assusta muita gente. Mas o sangramento é absorvido naturalmente pelo organismo, sem provocar nenhum dano”, garante Leôncio Queiroz Neto, oftalmologista do Instituto Penido Burnier, em Campinas.
Atenção às dores
Os outros dois tipos de hemorragia – que atingem o vítreo ou a retina –, podem exigir uma atenção maior. “O principal sintoma é o embaçamento da visão, que pode surgir alguns dias depois que a dengue for embora”, diz Cleber Godinho, diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia. Ele ressalta que a dor que muitos pacientes picados pelo Aedes aegypti sentem no fundo dos olhos nada tem a ver com esse problema. “Trata-se apenas de uma dor muscular”.
Mas se a visão ficar turva, um médico deverá ser consultado para verificar se há hemorragia. Se o sangramento não cessar, será preciso recorrer a medicamentos ou até a tratamentos a laser para cauterizar os vasos.