Cobertura de Copa do Mundo é oportunidade também para leituras sociológicas, observação de comportamentos. Reflexões sobre o país-sede e as pessoas de diferentes partes que o visitam torcendo por suas respectivas seleções. Dentro desta seara, em São Petersburgo, no dia do nosso jogo contra a Costa Rica, um dos fenômenos que mais despertaram minha atenção ao longo de todo o torneio: impressionante como a Seleção Brasileira ainda cativa a simpatia de estrangeiros. Não me refiro a declarações protocolares típicas de reportagens batidas; estou falando de algo representativo, consistente em termos numéricos; de um engajamento palpável – compra de camisas, caras pintadas, viagens de longe unicamente para acompanhar Tite e seus blue caps...
Em Moscou a história continuava. Notava alguém com o fardamento da CBF; o impulso inicial era o de que encontrara um conterrâneo. Passavam-se instantes e, ouvindo a pessoa falar, me deparava com um dialeto incompreensível. O filme repetira-se tanto que, óbvio, no meio do caminho, ostentar a amarelinha não mais gerava qualquer palpite. Poderia ser alguém de SP? Sim. Mas também do Butão, da Bósnia, do Uzbequistão. No trem entre São Petersburgo e Moscou, dividimos o vagão com um irlandês – que vestia a camisa do Brasil, trocada por uma da sua seleção com um desconhecido tupiniquim – e um jovem de Bangladesh. O primeiro sabia mais da história do futebol brasileiro do que boa parte dos jornalistas “especializados” que congestionam nossas fronteiras, e carrega como sonho da vida conhecer o Maracanã. O segundo teve de fazer uma verdadeira arquitetura financeira que começara anos antes unicamente para contemplar a obsessão de ver in loco uma partida da nossa Seleção. Casos análogos ocorreram durante toda a Copa, e não foram poucos. Ver a relação entre distante, fria e indiferente de boa parte dos brasileiros com o escrete da CBF nos últimos anos, confrontada com essa adoração de quem está tão longe e “nada tem a ver com a gente” me fez pensar se nossa Seleção tornou-se produto para consumo externo. Não acho que seja exatamente o caso, diga-se. Muitas relativizações...
Se a simpatia que beirava a veneração era comum com relação aos brasileiros na Rússia, inevitável salientar que a celeuma criada em cima de Neymar trouxe tons de cinza à tão colorida imagem. Não a ponto de atingir uma aversão generalista. Tampouco o desprezo majoritário. Sutil, indireta, inconscientemente, todavia, muitos passaram a não se desmanchar em elogios quando avistavam um brasileiro; numa metáfora, diria o seguinte: vários amantes do futebol deixaram de jogar com o Brasil no videogame, de nos escolher em qualquer expediente que demandaria algum tipo de predileção. Na loja da Nike, na Arbat Street, na última segunda, a camisa da Inglaterra estava completamente esgotada – e o vendedor me disse que isso se estendia à quase todas as unidades deles na cidade; a do Brasil lotava a loja, com procura bem menor do que nas semanas anteriores.
A preocupação em agradar dos russos; a constante inquietação para saber o que nós, visitantes, estávamos achando da sua bela nação foi outro traço marcante da Copa, em termos de comportamento. Toda hora eles perguntavam nossa opinião de um jeito bem singelo, tímido, que exalava, porém, profunda curiosidade. A receptividade parece ter dado certo: uma das conclusões que mais tenho ouvido nos últimos dias - nas ruas, na imprensa de todo o planeta - é a de que os anfitriões conseguiram quebrar os estereótipos que sobre eles prevaleciam.