Corte na Selic não altera quadro econômico e juro real continua elevado

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
20/10/2016 às 21:20.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:18
 (Renato Cobucci/Arquivo)

(Renato Cobucci/Arquivo)

O corte na taxa básica de juros (Selic) anunciado pelo Conselho de Política Monetária (Copom) na última quarta-feira (19) pode significar um alento, mas ainda está longe de ser o remédio que irá tirar o país do atoleiro econômico. O juro real brasileiro (taxa nominal menos a inflação) continua sendo o maior do planeta.

Levantamento da Infinity Asset Management aponta que, em setembro, a taxa foi de 8,25%. Quase o dobro do juro real da Rússia (4,27%), segundo colocado no ranking. E não é só o juro que deixa o país na rabeira da economia mundial. Dados do FMI mostram que, na América Latina, o Brasil só fica atrás da Venezuela em termos de queda do PIB e elevação da dívida pública previstas para este ano.

O corte da Selic foi o primeiro desde outubro de 2012. No entanto, o ritmo conservador imposto pelo Banco Central para redução projeta que o juro real continuará a subir, já que a inflação vem caindo mais fortemente que a Selic. No acumulado de 12 meses, a inflação caiu de 10,71% em janeiro para 8,48% em setembro, enquanto no mesmo período a taxa básica de juro permaneceu inalterada.

O economista chefe da Infinity Asset Management, Jason Vieira, explica que a inflação está cada vez mais ancorada, reforçando a necessidade de um corte mais expressivo na Selic para que os efeitos sejam percebidos na economia. “O corte pontual não muda nada, até que tenhamos uma redução de pelo menos um dígito. Isso só deve acontecer em 2018 e somente se as perspectivas de melhora generalizada se confirmarem”, avalia.

Justificativa
O economista e superintendente geral do Instituto de Pesquisas Econômicas e Administrativas (Ipead/UFMG), Renato Mogiz, explica que a alta do juro brasileiro está ligada ao risco dos investimentos no Brasil. É essa a razão pela qual outros países conseguem estabelecer taxas menores, mesmo com dívidas públicas maiores que a do Brasil.

“O Brasil, em termos de garantias e segurança, não tem a mesma classificação que outros países. O risco das operações nos Estados Unidos, onde o juro básico é de 0,5%, é muito menor. Portanto, o capital se dirige para lá sem que eles façam esforço. Aqui, para atrair capital, o governo precisa remunerar com taxas muito maiores”.

Crescimento
Na comparação com outros países latino-americanos a recuperação brasileira também está distante de se concretizar. Estudo feito pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) coloca o Brasil em umas das piores projeções de crescimento.

Segundo o levantamento, somente a Venezuela tem déficit nominal e expectativa de PIB piores que o Brasil para 2017. Todos os outros países analisados (Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela) estão em situação mais confortável. Para piorar, o Brasil deverá chegar ao final de 2017 com uma relação entre dívida bruta e PIB de 74,7%, a maior dentre as economias analisadas.

Uma das principais razões para a retração, segundo o levantamento, foi a queda da cotação das commodities. O estudo aponta que a exceção do México, onde as vendas de recursos naturais representam apenas uma pequena parcela da pauta de exportação. Mas, no Brasil, as commodities respondem por mais de 65% do valor total exportado.

“Os termos de troca nesses países caíram em média 9,5% desde 2011 , enquanto o PIB latino-americano passou de um crescimento de 4,9% para uma retração de 0,2% entre 2011 e 2015”.


Descompasso entre Selic e juro bancário afeta consumidor

A taxa Selic é a meta que o Banco Central estabelece para o juro cobrado nas operações interbancárias, ou seja, para piso dos juros no mercado financeiro. Teoricamente, ela deveria orientar todas as demais taxas praticadas para o crédito, sejam elas referentes ao cheque especial, ao cartão de crédito, aos empréstimos bancários ou às vendas financiadas. Também tem a função de balizar a remuneração dos títulos públicos (os papéis da dívida do governo federal).

Pela lógica, os juros cobrados pelos bancos aos consumidores deveriam acompanhar o movimento de altas e baixas da Selic, mas na prática não é o que acontece.

De acordo com dados da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), desde março de 2013, quando teve início a última série de aumentos seguidos da taxa Selic, a evolução dos juros na ponta do varejo apresentou velocidade muito superior. E entre os meses de junho e outubro deste ano, enquanto o juro básico se manteve estável, os juros ao consumidor não pararam de subir.

Pior que isso, se descolaram de tal forma da Selic que as taxas nas pontas de captação e de empréstimo perderam qualquer relação de causa e efeito. Os juros bancários do cheque especial, por exemplo, foram de 309,24% ao ano no mês de setembro. Um valor 22 vezes maior que os atuais 14,00% da Selic. No caso do juro do cartão de crédito (463,03% ao ano), a discrepância é ainda mais gritante, 33 vezes maior do que a Selic.

Nesse contexto, mesmo que os juros bancários acompanhassem de forma proporcional a queda da Selic, a diferença mal seria percebida pelo consumidor.

Proteção
O cenário de recessão, em que o índice elevado de desemprego torna maior o risco de inadimplência é o principal argumento dos bancos para praticar juros tão estratosféricos.

De acordo com a Anefac, o quadro de inflação ainda elevada, o aumento de impostos e os próprios juros contribuem para a redução da renda das famílias. Um conjunto de fatores que os bancos considera suficiente para estipular juros que possam compensar possíveis perdas e os proteger de clientes devedores.Editoria de Arte/Hoje em Dia / N/A

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