(Wesley Rodrigues)
Com a crise, sobrou até para a cervejinha, paixão nacional que só perde para o futebol. A escalada da inflação, o aperto no orçamento doméstico e o desemprego abalaram essa relação de amor e mudaram hábitos que são a cara do brasileiro. O happy hour sagrado com os colegas e a confraternização aos finais de semana estão de endereço novo.
Enquanto a tradicional ida a bares, pubs e restaurantes perderam status, aumentam as reuniões regadas a “brejas” geladas em casa. É como se o cliente transferisse o bar para o lar.
Levantamento realizado pela Nielsen, empresa especializada em pesquisar hábitos dos consumidores, aponta que, de 2013 a 2015, em mais de 850 mil lares, beber cerveja no domicílio virou programa de lazer. E o consumo compartilhado entre amigos e familiares em casa foi citado por quase 40% dos entrevistados.
“Em um dos momentos mais desafiadores que o país enfrenta, muitos setores da economia estão sendo impactados. Não é diferente com este segmento. O pessoal corta o lazer e vai beber em casa”, diz o diretor executivo da Associação de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG), Lucas Pêgo.
Segundo ele, um em cada três estabelecimentos voltados para alimentação fora do lar já opera no vermelho.Wesley Rodrigues / N/A
O aposentado José Agenor Lopes Cançado opta por economizar
Indústria
O encolhimento da renda reflete também na indústria. A produção de cerveja no país caiu 2,2% no primeiro semestre de 2016, na comparação com igual período do ano passado.
Entre janeiro e junho de 2015, a queda já havia sido de mais de 6%, ante os primeiros seis meses de 2014, conforme dados da CervBrasil, associação que reúne fabricantes do setor.
Atenta ao gosto e bolso da clientela, a indústria se movimentou. A produção nacional por embalagem amargou, no primeiro semestre deste ano, queda de 5,2% do vidro retornável (cascos) e de 0,7% da lata. Por outro lado, o vidro descartável, muito utilizado nas <CF36>long necks</CF>, por exemplo, registrou alta de 21,7% no período.
“O consumidor tem optado por embalagens menores e individuais com indicação de migração do consumo para o domicílio, o que explica a queda menos acentuada nas latas. Essa migração de tipos de embalagem e consumo se dá, principalmente, pela redução do poder aquisitivo e da renda disponível, motivada pela crise econômica”, destaca o diretor-executivo da CervBrasil, Paulo Petroni.
Perfil
Conforme Petroni, após investimentos pesados nos tempos de bonança, com aumento da capacidade produtiva, as empresas agora tentam identificar o novo perfil do cervejeiro e encaixar o produto nessa nova realidade financeira.
“De 2003 até 2012, a indústria de cerveja acompanhou o ciclo de crescimento econômico. Os volumes de produção subiram, em média, 6,5% ao ano. Mas de 2013 para cá, o jogo virou. E passamos a calcular uma queda anual de 2%”, compara o diretor-executivo.
Visando manter a utilização das fábricas em nível elevado, já que é preciso um volume alto de produção para diluir os custos, o setor tem reduzido o valor do produto para o varejo.
“Para segurar os volumes, apesar da carga tributária pesada e do recuo nas vendas, a indústria diminuiu o preço e isso chega nos estabelecimentos em forma de promoções. É uma verdadeira guerra no mercado, onde quem ganha é o consumidor”, observa Petroni.Wesley Rodrigues / N/A
Estoques de cerveja têm de ser repostos com maior frequência, devido à mudança de hábito dos consumidores
Promoções alavancam vendas da bebida nos supermercados
Para manter a gelada no cardápio, consumidores vão atrás de promoções. Segundo a Nielsen, em 90% das categorias de bebidas, a importância dos descontos aumentou, chegando a representar mais de 40% de todo o volume vendido no grande varejo com cerveja e misturas alcoólicas, como ice, por exemplo.
“Percebemos uma demanda crescente nas cervejas, assim como em itens como pizza e lasanha congelada. Muita gente parou de frequentar restaurante e passou a comprar esses itens no supermercado”, destaca o vice-presidente da Associação Mineira de Supermercados (Amis), Gilson de Deus.
Nas gôndolas das lojas do grupo Super Nosso, o ritmo de reposição de cervejas ficou frenético. O crescimento nas vendas da bebida mais popular no país foi de 35% no primeiro semestre deste ano, ante igual período de 2015.
“A indústria tem feito ações de marketing, especialmente na modalidade leve mais, pague menos”, conta a compradora de bebidas da rede, Marília Santana.
Na Krug Bier, a novidade é o growler, aquela garrafa que serve para armazenar as bebidas retiradas das torneiras de chope. “O cliente compra e leva para a casa para apreciar com os amigos. E as vendas para os supermercados também aumentaram”, afirma um dos sócios da cervejaria, o austríaco Herwig Gangl.
Ele diz que, mesmo com a crise, o Brasil segue como o quarto maior mercado de cervejas do mundo.