Crise no Atlético-MG: Direito do Trabalho em campo

Publicado em 25/07/2025 às 06:00.

Marcilio Chagas*

A recente polemica no Atlético-MG, envolvendo o atacante Rony, trouxe à tona uma questão essencial: os clubes brasileiros compreendem, e respeitam, os direitos trabalhistas de seus jogadores?

Rony, contratado por alguns milhões no início do ano, ajuizou uma ação trabalhista com pedido de rescisão contratual unilateral, fundamentando-se no artigo 90, §1º da Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023). Este dispositivo permite a rescisão indireta do contrato quando há inadimplência superior a dois meses, incluindo não apenas salários, mas também parcelas como luvas, prêmios e direitos de imagem. A alegação do jogador era clara: atrasos no pagamento dessas verbas. Embora o clube tenha afirmado estar com os salários em dia, a legislação equipara as demais obrigações à remuneração contratual, não sendo possível tratá-las como meros bônus.

O desfecho, no entanto, foi outro: no dia 22 de julho de 2025, após negociações com a diretoria e comissão técnica, Rony desistiu da ação. O clube prometeu quitar os débitos relacionados às luvas de assinatura do contrato, evitando um litígio que poderia gerar desgaste institucional e prejuízos financeiros ainda maiores.

Pouco tempo antes, jogadores como Gustavo Scarpa, Guilherme Arana e Igor Gomes também notificaram o Atlético-MG por atrasos, e até um ex-massagista, com mais de cinco décadas de serviços prestados, busca na Justiça cerca de R$ 4 milhões por vínculos informais e horas-extras não pagas. Tais casos mostram que a precarização das relações de trabalho não se restringe a categorias de baixa renda; ela está presente também em um setor que movimenta bilhões.

O atleta como trabalhador

O futebol é um espetáculo, mas por trás dos vestiários existem contratos de trabalho com todas as obrigações previstas na CLT e na legislação esportiva. O atleta profissional é um empregado com direitos básicos: registro na carteira de trabalho, recolhimento de FGTS, 13º salário, férias, verbas rescisórias e adicionais previstos por lei ou por contrato. A Lei Pelé e a Lei Geral do Esporte estabelecem parâmetros claros para essas relações, buscando evitar abusos.

O direito de imagem, em específico, é uma das maiores fontes de litígio. Clubes, para minimizar encargos trabalhistas, muitas vezes fracionam a remuneração do jogador, destinando parte dela a contratos de cessão de imagem. Ocorre que, quando esse pagamento é regular e habitual, ele integra o salário para todos os fins, segundo entendimento consolidado da Justiça do Trabalho. Transformar o direito de imagem em um artifício para mascarar salários é prática ilegal e passível de condenação.

SAFs e a promessa de profissionalização

Com a transformação do Atlético-MG em SAF (Sociedade Anônima do Futebol), esperava-se uma nova era de gestão eficaz, transparente e que respeite as obrigações contratuais. No entanto, a recente crise mostra que a mudança de CNPJ não garante mudanças culturais. Se a gestão financeira não for séria e estruturada, os problemas trabalhistas tendem a se repetir, comprometendo a imagem e o futuro do clube.

Respeito à lei como chave para evolução

As ações trabalhistas não são “traições” ao clube, como alguns torcedores interpretam, mas instrumentos legítimos de defesa de direitos. O atleta que busca receber o que lhe é devido não está sendo ingrato, está apenas exercendo um direito fundamental. Assim como qualquer trabalhador, ele depende do cumprimento do contrato para garantir seu sustento e carreira.

O futebol nacional precisa se desenvolver. Respeitar as leis trabalhistas não é apenas uma obrigação legal, mas também uma estratégia de gestão. Um ambiente seguro e previsível garante confiança aos atletas, atrai investidores e fortalece a instituição.

Enquanto a bola rola nos gramados, é fora de campo que se disputa o jogo mais decisivo: o da dignidade do trabalhador .

*Advogado especialista em Direitos do Trabalhador

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