Cruzeiro e o crepúsculo dos ídolos

14/01/2020 às 20:21.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:17

Acompanhar os julgamentos do mundo futebolístico sobre seus principais personagens é testemunhar a suscetibilidade humana de transitar sem pudor entre extremos no seu mais alto grau. Ao contrário do que dizem, o ídolo, o “mito” de hoje é a vidraça de amanhã não necessariamente por uma mudança abrupta de fase. Às vezes, ele nada precisa fazer para cair na desgraça das massas, na máquina de moer reputações – injustamente – que costuma ser o futebol no Brasil.

Ver a ciranda de emoções neste aspecto citado que muitos atletas do Cruzeiro têm enfrentado me faz lembrar o tempo todo de Nietzsche e do seu “Crepúsculo dos Ídolos”. Do nada, sem a ínfima substância, antigas sumidades celestes passaram a sucumbir no simplório tribunal das multidões. Coloquemos a mão nas nossas consciências: o que Dedé fez para ter seu caráter/comportamento questionado de modo tão generalizado ou epidêmico? Alguém sabe a razão concreta do ódio angariado por Edílson por um longo período? Cautela, certa fineza, isso tudo inexiste nas avaliações de larga parcela da comunidade boleira: primeiro você odeia e xinga; depois, nem chega a pensar por qual motivo.

É bom dizer que fenômeno consideravelmente oposto também se mostra comum. Os jogadores, hoje celebridades de um mundo atolado numa cultura soterrada naquele patamar que antigamente poderíamos chamar de “baixa”, “viralizam” com anedotas, brincadeirinhas, populismos baratos comprados pelo torcedor com uma inocência quase tocante. Aqui, portanto, cabe dizer que frequentemente as mesmas estrelas que são vítimas das condenações peremptórias, insensatas, se beneficiam da volatilidade, da fragilidade das narrativas espalhadas por público e imprensa para amar e odiar alguém – sem que usualmente haja subsídio suficiente nem para uma coisa, nem para a outra.

O zagueiro Léo, do Cruzeiro, para quem milita no meio, sempre se provou um grande cara. Excelente caráter, inteligente. Sua atitude de permanecer no clube nas circunstâncias atuais, sua ótima entrevista, de fato, merecem ser elogiadas. Isso não quer dizer que uma figura como a do volante Henrique, por exemplo, deva ser minimamente desvalorizada. As mesmas qualidades que Léo carrega enquanto pessoa, ele possui. Se não ficou, não foi necessariamente por “menor flexibilidade”, por “menos amor”. O mesmo vale para Egídio e muitos outros envoltos em especulações sem fim.

Há uma inversão de valores rolando loucamente em meio à confusão que o Cruzeiro vive, e profissionais da mídia andam contribuindo para isso. Na tentativa de jogar para a galera, com medo da reação dos torcedores locais, demonizam pessoas que foram lesadas e apenas estão atrás de seus direitos – indiretamente, dando uma poupada no clube. É mais confortável cair nas graças do povão destruindo jogadores e passando pano para a instituição. Mas a verdade, nua e crua, é: o Cruzeiro foi tomado de assalto por uma das piores gestões das quais se tem notícia em toda história – não só do clube. Os principais vilões são os dirigentes que deram canos milionários em trabalhadores – não só nos ricos, não só nos que entram em campo –, fornecedores, parceiros; que, por caminhos tão diversos quanto escusos, fizeram o dinheiro da instituição sumir e quebraram um patrimônio de Minas Gerais. Muitos jogadores merecem críticas, sim, por terem atuado mal em campo. Mas aí, até que provem o contrário, não dá para falar de índole. Se o assunto é ética, quem com ela faltou, foram os bandidos do colarinho branco – talvez um ou outro jogador também, vá lá; mas não no mesmo grau, e certamente não muitos dos que são citados com acusações deste teor.

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