(JR FARIA STUDIOS/DIVULGAÇÃO)
A jornalista e escritora juiz-forana Daniela Arbex ficou em dúvida quando um amigo, o radialista Marcos Moreno, afirmou que ela deveria escrever o próximo livro sobre a trágica história ocorrida na boate Kiss, em Santa Maria (RS), que pegou fogo e matou 242 pessoas há cinco anos. “Eu? Todo mundo já contou essa história. E ir parar lá do outro lado do mundo...”, rebateu Daniela, cujos dois primeiros livros – os premiados “Holocausto Brasileiro” e “Cova 312”, com mais de 300 mil exemplares vendidos – se debruçaram em casos mineiros, não menos polêmicos. Moreno sabia de um personagem que não tinha sido ouvido até então e, para uma jornalista investigativa, foi como ouvir uma palavra mágica. Depois de cinco viagens a Santa Maria em dois anos, mais de cem pessoas entrevistadas e da transcrição de 5 mil páginas de entrevistas, a partida para “o outro mundo” resultou em “Todo Dia a Mesma Noite”, recém-lançado pela editora Intrínseca. TraumasA volta de uma jornada como essa foi, como não poderia deixar de ser, dolorosa e traumática: “Além de distante, gastando 13 horas entre Juiz de Fora e Santa Maria, de avião e carro. Sou mãe e isso afetou muito a minha rotina familiar”, assinala. O contato com pais que perderam filhos jovens – a maior parte das vítimas era de universitários – e os detalhes de uma tragédia que poderia ter sido evitada levaram Daniela a um medo muito forte de perder o filho, hoje com 6 anos. “Foi a primeira vez em que tive que buscar ajuda especializada. O medo me consumiu. Passei a vigiar cada passo do meu filho e me tornei uma mãe superprotetora demais. Também tinha medo que meu marido sofresse algum acidente”, confessa. A distância e o abalo emocional não são as únicas singularidades na confecção de “Todo Dia a Mesma Noite”. Como ela mesma admite, o livro é mais literário, com menos minúcias na busca de informações soterradas pela história, em especial pelos governos. O que não quer dizer que a escritora abriu mão de sua maior ferramenta: a investigação. “Ouvi várias pessoas e confrontei depoimentos para tentar entender o que aconteceu. Cada um tem o seu olhar, mas geralmente não há a noção do todo”, registra.
Ninguém sabia dizer a hora exata em que o fogo começou a tomar conta do interior da boate, após o vocalista da banda Gurizada Fandangueira acionar um artefato pirotécnico no palco. “Precisei ir à perícia e descobrir a partir do celular de uma das vítimas”. A descoberta do horário (3h15, madrugada de sábado para domingo) foi tão emocionante quanto as entrevistas, furando alguns “bloqueios” –principalmente dos bombeiros, execrados pela mídia ao permitirem que a boate funcionasse sem as licenças devidas. “O comandante da corporação fez grandes revelações, dizendo que tinha sentido que não havia salvado ninguém (após encontrar uma pilha de corpos no banheiro da boate)”, conta. Com a produção do livro, Daniela teve que, pela primeira vez, construir um relacionamento com seus entrevistados. “Foi um exercício jornalístico interessante. Com exceção dos profissionais de saúde, que conheciam ‘Holocausto Brasileiro’, ninguém sabia dos meus livros. Isso me ensinou muito sobre a vida”.