Declínio cognitivo e memória falha na menopausa são confundidos com doenças neurológicas

Izamara Arcanjo
Especial para o Hoje em Dia
13/11/2021 às 11:06.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:15
 (FERNANDO MICHEL)

(FERNANDO MICHEL)

Foi a partir do alerta do m<rido e das filhas que Silvania de Araújo, de 53 anos, percebeu as dificuldades para lembrar o nome das pessoas, proferir frases inteiras e, algumas vezes, trocar as palavras na hora de se expressar. “Eu simplesmente não conseguia completar uma frase porque a palavra sumia da minha cabeça. Era horrível! Fiquei assim durante uns quatro anos”, relata. 

Silvania nem imaginava, mas estava sofrendo com o chamado “nevoeiro mental” ou cerebral, um dos sintomas menos conhecidos da menopausa, mas que acomete cerca de 60% das mulheres sem que elas se deem conta ou sejam devidamente diagnosticadas. Por conta disso, em alguns casos os sintomas já chegaram a ser relacionados ao Alzheimer, doença neurodegenerativa que afeta capacidade cognitiva e memória de curto prazo. 

A boa notícia? O nevoeiro é transitório, e com os avanços da medicina, tem sido cada vez mais estudado por especialistas.

Uma das estudiosas do fenômeno é Érika Lima Pimenta. A ginecologista e obstetra explica que o declínio cognitivo na menopausa está diretamente ligado a uma redução súbita nos níveis de estrogênio, hormônio cuja produção começa a oscilar e diminuir durante os anos que antecedem a fase, o climatério.

“Antes de entrar na menopausa, oscilações hormonais, principalmente do estrogênio, que é fundamental no funcionamento do cérebro, acontecem de maneira muito rápida e a gente não tem tempo de se adaptar a elas”, diz a médica. “É a partir deste momento que começam a aparecer os problemas”, explica. 

Segundo Érika, é no cérebro que ficam os receptores de estrogênio, muitos deles localizados no hipocampo, região cerebral importante tanto para fixar como para recuperar certos tipos de memória. Por isso, alguns sintomas do nevoeiro mental podem ser confundidos com doenças neurológicas, como o Alzheimer. 

“A mulher tem dificuldades de reter e armazenar a memória de curto prazo. Esquece o que estudou, não se lembra do nome das pessoas, onde colocou a chave de casa ou do carro. Pode, inclusive, se sentir desnorteada, o que leva a diagnósticos equivocados”, esclarece.

Outros fatores

A especialista ensina que outros fatores também contribuem para agravar os sintomas do nevoeiro mental e da própria menopausa, entre eles, os altos picos do cortisol no organismo. Considerado o “hormônio da luta e da sobrevivência”, causam grandes prejuízos à saúde índices em altas concentrações no organismo. 

“Quando você entra na menopausa seu cortisol, o hormônio do estresse, aumenta muito. É realmente muito ruim, pois o metabolismo de uma mulher já é mais sensível ao estresse do que o do homem. E a partir daí piora tudo: vem a insônia, aumentam irritabilidade e ansiedade”, diz Érika.

Os sintomas relatados pela ginecologista estavam todos presentes no quadro clínico de Silvania, que só conseguiu melhorar após procurar ajuda especializada. “Como eu já tinha passado por um câncer de mama, fazer a reposição hormonal estava fora de cogitação. Foi a partir deste momento que me apresentaram métodos alternativos para melhorar os sintomas do nevoeiro e da menopausa, entre eles, boas noites de sono, dieta e atividade física regular”.

Apoio multidisciplinar garante mais saúde na transição

Nem todas as mulheres sofrem de nevoeiro mental e não é apenas a alteração no estrogênio que deve ser observada ao longo do climatério e da menopausa. Fatores como mudanças no padrão de sono podem agravar os sintomas, que geram muito desconforto.

“Mais da metade das mulheres durante a transição para a menopausa relatam dificuldades em relação ao sono, e isso está associado à memória e ao funcionamento e estrutura cerebral”, afirma a psicóloga clínica e hospitalar Meire Rose Cassini.

É o caso da recepcionista Alessandra Valéria de Carvalho Pereira, de 46 anos. Ela só descobriu que estava no climatério quando o ciclo menstrual ficou irregular. Vieram também as crises de insônia. A busca por ajuda profissional foi fundamental para que ela se restabelecesse e entendesse o que estava acontecendo com o próprio corpo.

“Procurei o ginecologista e fiz vários exames. A partir daí ficou constatado que estava no que a gente chama de pré-menopausa. Após alguns meses, com alimentação adequada, meu corpo parece que começou a entender o processo e tudo voltou ao normal”, diz, com alívio.

Para Meire Cassini, ter um acompanhamento psicológico nesta fase é essencial, já que os sintomas variam de mulher para mulher. “As consequências podem ir muito além de sintomas como falta de foco, dificuldades de concentração e esquecimentos, pois podem afetar as relações pessoais, a estabilidade emocional e até a autoestima da mulher”.

A psicóloga avalia também que não há motivos para que as mulheres normalizem os desconfortos dessa transição. “Cada mulher tem um organismo e cada uma reage de forma diferente, mas para todas há alternativas que podem ser muito eficientes. Não faz sentido algum sofrer com isso”, pontua. “Se estamos envelhecendo é porque estamos vivos. É para a velhice que todos queremos caminhar, de preferência como mulheres saudáveis física e mentalmente”, completa a psicóloga.

Medidas preventivas

Embora o nevoeiro mental se dissipe à medida que o cérebro se acostuma a funcionar com pouco estrogênio, algumas estratégias podem ser adotadas. Em alguns casos, a reposição hormonal pode trazer benefícios, mas para a maioria das mulheres, algumas medidas mais simples podem contribuir para melhorar o desempenho cognitivo. Outras atividades podem ajudar a lidar com as mudanças, as principais são as atividades que vão gerar massa magra, praticar jogos e exercícios mentais, seguir uma rotina de sono de no mínimo seis horas por noite, reduzir o consumo de álcool à noite e apostar em uma dieta balanceada. “Cada mulher é única, tem uma história, o fato é que ela não precisa mais viver com o desconforto do nevoeiro mental e da menopausa de maneira geral. Os próximos 50 anos na vida de uma mulher que já está chegando aos 50 ou já passou deles, podem ser muito bons, felizes e produtivos”, garante a ginecologista Érika Pimenta.

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