(Eugênio Moraes (25-4-2015))
“Aqui é a nascente. A outra lá em cima secou. Agora só tem essa. A lagoa era ali, mas jogaram esse tanto de terra. A água parou, desapareceu”, conta João Vitor, de 12 anos. Aluno da 6ª série da Escola Municipal Albertina Alves do Nascimento, no bairro Oitis, em Contagem, ele brinca no filete que restou do principal olho d’água do córrego Avenida Dois, formado pela água barrenta. Afluente do Sarandi, que deságua na Lagoa da Pampulha, o córrego teve o leito canalizado, mas recebe esgoto desde as primeiras nascentes nos bairros Colorado e Milanez, na cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). O quadro se repete nos bairros de Contagem e de Belo Horizonte dentro da área da bacia hidrográfica da Pampulha. Na região, nascem os 44 córregos e ribeirões formadores da lagoa, complexo que tenta o reconhecimento como patrimônio da humanidade. A reportagem do Hoje em Dia percorreu algumas das principais nascentes e pôde ver, junto com especialistas e moradores, a situação desses locais. Impressões “Todos os cursos d’água que são afluentes da Lagoa da Pampulha apresentam sinais visíveis de contaminação por esgotos domésticos”, afirma o professor do UniBH, Rodrigo Lemos, doutorando do Instituto de Geociências (IGC) da UFMG. Segundo o docente, é cada vez maior a importância das nascentes da bacia no processo de renovação e manutenção do espelho d’água. Somente no córrego Braúnas, um dos maiores afluentes da Pampulha, pesquisadores do IGC constataram, em 2013, a existência de 181,8 nascentes por quilômetro quadrado. Lembrança O vice-presidente da Associação de Moradores do bairro Colorado e membro do comitê gestor da bacia, Carlos Alberto Ferreira, de 62 anos, lembra bem de como o córrego Avenida Dois era antes de ele ser canalizado. A obra, conta o técnico ambiental aposentado, demorou 15 anos para ficar pronta. “A mata ciliar virou matagal e depósito de entulho e lixo, como ocorre em nascentes dos afluentes do Sarandi, como os córregos João Gomes e da Avenida Dois”, descreve. Ocupação Para o professor Rodrigo Lemos, a solução para os problemas de sujeira da Lagoa da Pampulha vai além da limpeza da água. Ele cita que a área impermeável ocupa mais de 70% da bacia hidrográfica. Conforme o pesquisador, as áreas que têm pressão maior por ocupação são as mais preservadas hoje, nas nascentes dos córregos Sarandi e Ressaca, responsáveis por 70% da contaminação da lagoa por esgotos doméstico e industrial. “As sucessivas canalizações de córregos aumentam a chegada de sedimentos na lagoa”, destaca Lemos. A Copasa informou que já implantou os dois interceptores de esgoto na Avenida Dois, que atendem a região dos bairros Colorado e Morada Nova, em Contagem. Desassoreamento passa pelo planejamento de cidades que compõem represa A revitalização das nascentes da bacia da Pampulha poderá reduzir consideravelmente a dependência direta que a lagoa tem em relação aos rios de tamanho menor que deságuam no local (Sarandi e Ressaca, os principais) que, na realidade, têm contribuído mais para a morte que propriamente para vida do espelho d’água durante muitos anos, segundo estudiosos da UFMG. O pior problema da Lagoa Pampulha são os sedimentos, diz o professor Rodrigo lemos, ao citar estudo do pesquisador Orlando Vignoli Filho, que estima o volume de 141 mil m³ – o equivalente a 28 mil caçambas – de rejeitos despejados no espelho d’água todos os anos. Para resolver o assoreamento da represa, não há solução única, dizem os especialistas. Dentre as possibilidades está a busca da integração efetiva dos instrumentos de planejamento nas cidades da bacia. Lemos defende rever as obras na Pampulha. “As ações públicas centradas no espelho d’água estão enxugando gelo”. Conforme o docente, as nascentes em Belo Horizonte que contribuem para manutenção do espelho d’água também estão degradadas nos bairros Enseada das Garças, Braúnas, Céu Azul e Trevo, numa abrangência de 12 km² de área. HISTÓRICO Repaginada por JK com obras arquitetônicas, o reservatório de 18 milhões m³de água e profundidade máxima de 16 metros viveu seu apogeu até 1954, quando a barragem se rompeu. No intervalo de três décadas, apesar de ações para desassorear a lagoa, o acúmulo de sedimentos reduziu a menos da metade o espelho d’água da Pampulha, que passou de 18 km² para menos de 9km². “O adensamento populacional é incompatível com a lógica de reservatório, o que gera mais impermeabilização do solo e geração de esgotos doméstico e industrial, além de sedimentos carregados por seus afluentes que vão parar dentro da lagoa”, afirma Lemos. De acordo com ele, a Pampulha é a síntese do que ocorre em sua bacia hidrográfica, refletindo a situação dos afluentes nos dois municípios. “A Pampulha foi o primeiro manancial para abastecimento humano degradado na Grande BH e cada vez mais se resume a poços d’água confinados nas partes de maior profundidade do reservatório”. Diálogo entre prefeituras e entidades é essencial para frear destruição da lagoa Na opinião de especialistas, a degradação da Pampulha aumentou por falta de integração efetiva dos dois municípios e de investimentos e ações na bacia, inserida em território urbanizado e que envolve diferentes instâncias e instrumentos de planejamento e gestão. “O diálogo em torno do interesse comum ainda não se efetivou entre as prefeituras de BH e Contagem, Copasa, Arsae, Comitê de Bacia Hidrográfica e Ibama”, assinala o professor Rodrigo Lemos. Criado em 2000 e regulamentado em 2005, o Consórcio de Recuperação da Pampulha (entidade de direito privado, criada para despoluir a lagoa) “está aquém do que precisa para atender às finalidades de buscar soluções conjuntas para a recuperação e proteção ambiental da bacia, considerada de importância estratégica ao desenvolvimento sustentável e integrado da região metropolitana”, critica o professor. Ele destaca que ficou parado, desde 2009, o Programa de Recuperação Ambiental e Saneamento dos Fundos de Vale e Córregos em Leito Natural de Belo Horizonte (Drenurbs), criado pelo prefeito Célio de Castro e que previa parques lineares ao longo dos cursos d’água urbanos, ao invés de pavimentação e lançamento de esgotos nesses mananciais. “Ninguém põe dinheiro nele. Estamos reproduzindo o modelo europeu-ocidental, que predomina no mundo inteiro. Temos de questionar esse mesmo padrão de engenharia que prevalece desde a década de 1960”, afirma Lemos. O professor considera que o esgoto sanitário é o menor problema do cartão-postal. “A represa vai morrer por causa do assoreamento e não por causa do esgoto jogado no espelho d’água. Com esgoto, a lagoa existe, mesmo fedida. Com sedimento, não tem lagoa”.