Desemprego como ferramenta de política monetária

26/10/2016 às 20:53.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:24

O noticiário econômico é majoritariamente simplório e ingênuo, apesar de fingir ser o contrário. Se vem aos poucos abandonando o vício do economês, de outro lado não consegue se libertar das armadilhas do oficialismo.

Desde a derrubada de Dilma, o que lemos nos jornais é basicamente a tradução do discurso tecnicista do Banco Central para a linguagem comum, mas sem abandonar a linha de raciocínio dos novos donos da economia.

O resultado é um jornalismo pobre, sem espírito crítico e que esconde verdades óbvias. Vejam, por exemplo, o que foi publicado ontem sobre a ata da última reunião do Copom (o Conselho de Política Econômica do BC) que cortou a Selic em risível 0,25 ponto percentual, para 14% ao ano.

Os jornais compraram dois raciocínios básicos construídos pelos técnicos do BC. O primeiro, que não existe garantia de que a inflação já tenha entrado em rota de queda segura e estruturada, e que isso justificaria o comedimento do corte. O segundo, que a magnitude dos cortes futuros dependerá de uma evolução favorável do preços de setores que são menos sensíveis à política monetária, como o de serviços.

Vamos analisar esses pontos. A pesquisa Focus, do próprio Banco Central, aponta uma expectativa para a inflação deste ano de 7%. Contra os 11% da inflação do ano passado, teremos uma desaceleração de 4 pontos percentuais apenas nesse ano. Um ritmo verdadeiramente vigoroso e que não poderia ser maior sob o risco de cairmos em deflação na evolução dos preços medida mês a mês, o que seria perigosíssimo para a saúde das empresas.

O BC está orgulhoso do resultado de seu trabalho: milhões de desempregados

Esse ritmo indica que no próximo ano teremos a inflação na meta ou abaixo dela. Como o BC movimenta suas ferramentas macroeconômicas mirando o futuro de médio prazo, a dinâmica da inflação já oferece sinais evidentes da necessidade de cortes mais profundo dos juros imediatamente.

Sobre os preços dos serviços, estes são imunes aos juros. Uma parte importante deles, como o reajuste anual das mensalidades escolares e os aluguéis, são indexados à inflação. Nestes e nos demais serviços, os preços só caem quando os clientes não conseguem mais pagar e desaparecem. E é aí que está o ponto obscuro e cruel da política monetária levada a curso.

Quando o BC eleva o juro básico da economia, seu objetivo real é deprimir a economia e aumentar o desemprego. Pais sem emprego pressionam as escolas por mensalidades mais baixas para seus filhos. Ninguém diz isso claramente, nem o BC nem os jornais, mas o desemprego é hoje uma ferramenta de política econômica friamente manipulada. A ata do Copom deixa escapar isso nas entrelinhas da última ata.

“O processo contínuo de distensão do mercado de trabalho e a desaceleração significativa da atividade econômica podem, a princípio, produzir uma desinflação mais rápida (por exemplo, no setor de serviços) que a refletida nas expectativas de inflação medidas pela pesquisa Focus e nas projeções condicionais produzidas pelo Copom”, afirma a ata.

Sim, o BC está orgulhoso do resultado de seu trabalho: inflação convergindo para a meta ao custo de milhões de empregos e da recessão. O problema é que ainda não se deu por satisfeito.

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