Desigualdade e propriedade

10/12/2016 às 19:09.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:01

Basta olhar em volta: o mundo em que vivemos é acintosamente desigual. O dado é da ONG OXFAM, do Reino Unido, divulgado em Davos, Suíça, em janeiro de 2016: 67 pessoas físicas dispõem de renda equivalente à de 3,6 bilhões de pessoas – metade da humanidade. O economista francês Thomas Piketty, em “O Capital no Século XXI”, livro que se tornou best-seller mundial, alerta que o grande desafio a ser enfrentado é como desatar o nó que, hoje, permite a acumulação privada da riqueza em mãos de poucos. Favorecida pelo direito de herança, essa concentração faz com que a desigualdade se aprofunde no cassino global, no qual a renda resultante da especulação supera a da produção. No século 19, Karl Marx analisou com pertinência o modo como a mercadoria (ou a propriedade) imprime valor às pessoas. Qualificou isso, apropriadamente, de “fetiche da mercadoria”. No capitalismo, uma pessoa não é uma pessoa. Como tal, não vale nada. A menos que se apresente revestida de fetiche, de algo que produza nela, aos olhos alheios, um encantamento. Esse encantamento é a mercadoria que a reveste. João é uma pessoa. Porém, se não ostenta nenhuma mercadoria de valor, João é um zé ninguém. Ao contrário, se João possui banco, empresa, terras, anda em carro de luxo e se veste com roupas caras, então seu valor resplandece na sociedade, provocando admiração e inveja. Em resumo, o valor não deriva do fato de João ser uma pessoa. E sim de ser proprietário, ostentar patrimônio e exalar o sedutor aroma do dinheiro. Essa anomalia ou inversão de valores contamina profundamente a sociedade capitalista. O pobre que rouba é ladrão. O rico, corrupto. O pobre é jogado numa cadeia infecta. O rico é tratado com respeito e conforto. Se um pobre mata, é condenado a anos de prisão. Já o rico conta com bons advogados e se beneficia da legislação feita de acordo com o sistema em que vivemos: aos de cima, impunidade; aos de baixo, punição severa e cruel. O fundamento da desigualdade reside, portanto, na propriedade. Na democracia, em princípio todos têm direito à propriedade. Mas poucos têm acesso a este direito. O acúmulo da propriedade em mãos de poucos decorre da multiplicação de muitos não proprietários. A pirâmide da desigualdade, baseada na concentração de riquezas, se afunila sempre mais, condenando grande parcela da humanidade à exclusão e à pobreza, não proprietária inclusive de bens essenciais, como alimentação e moradia. A saída está na intervenção de governos progressistas, através de legislações avançadas, que impeçam a formação de oligopólios e defendam os direitos da maioria da população. Uma luz de esperança reside na economia solidária, autogestionária, que facilite aos trabalhadores serem donos dos meios de produção. A redução da desigualdade social exige a redução da concentração de propriedades e de riquezas em mãos de poucos. Sem essa perspectiva, o fosso entre o mundo dos ricos e o mundo dos pobres só tende a se acentuar.

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