Dificuldade na adaptação marca vida fora da cadeia

Malú Damázio e Tatiana Lagôa
horizontes@hojeemdia.com.br
09/06/2017 às 21:26.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:01

Afastadas das mães, as crianças, que até então só conheciam o ambiente da unidade prisional em que viveram por um ano, são encaminhadas às novas casas. O mundo do lado de fora traz inúmeras novidades para os pequenos. Uma das primeiras coisas que eles percebem é a figura masculina. No cárcere, até mesmo as agentes penitenciárias são mulheres. 

“A figura paterna é ausente em todas as etapas da pesquisa. Os pais das crianças são, na maioria dos casos, presidiários ou usuários de drogas”, explica a psicanalista Ilka Ferrari.

Segundo ela, as oito crianças acompanhadas no estudo tiveram dificuldades de adaptação após deixarem o Centro de Referência de Vespasiano, na Grande BH. A relação com os tutores também pode afetar, de forma positiva ou negativa, a socialização dos bebês. 

Entre as guardiãs ouvidas no estudo, somente uma afirmou que “pegou a criança para cuidar porque quis” e se preparou para a nova moradora da casa. “Ela tirou licença do trabalho para passear com o pequeno, levá-lo ao parque, ao zoológico, apresentar-lhe o mundo fora do presídio”, conta Ilka. Esse é, inclusive, até o momento, o caso com melhor desempenho nos laços sociais, ressalta Ilka.

Por outro lado, em casos que os menores representam um ‘fardo’ para os tutores, a pesquisadora constatou comportamentos frequentes. Dificuldades nos movimentos, na fala e na escrita, resistência a cumprir regras e a olhar para os interlocutores, agitação e agressividade são características presentes em mais de um caso analisado.

“Abatida, uma guardiã comentou comigo que a criança e a irmã comem sabão e bebem perfume”, conta a pesquisadora.

Guardiões esperam entregar filhos às mães ou a novos tutores

A pesquisadora Ilka Ferrari iniciou a pesquisa “Laços sociais de crianças após o cárcere” em 2015 e deve concluir o estudo neste ano. O objetivo é acompanhar a vida de meninos e meninas que viveram no Centro de Referência em Vespasiano no período de 2009 a 2014. 

Qual é o perfil das mães analisadas na pesquisa?

Destaca-se o envolvimento com o tráfico de drogas. São jovens, com pouca educação formal, que recebem pouca ou nenhuma visita, embora busquem manter vínculos familiares.

Quem são os guardiões ouvidos?

Quatro mães de prisioneiras, dois pais da criança, um irmão, uma irmã, uma tia e um pai da detenta. A maioria, pessoas ligadas às mães. Os pais do bebê praticamente não aparecem na cena (exceto dois deles) e, em geral, também estão presos.

Como é a relação dos filhos com os tutores?

Alguns dos guardiões pretendem entregar as crianças à mãe ou a outros possíveis tutores. Há casos em que não pediram a guarda provisória, aceitando a situação por motivos variados.

Como acontece a reinserção da criança na sociedade?

Cada família adota a sua forma. Alguns guardiões relatam dificuldade na adaptação nos primeiros dias após o cárcere. Eles dizem que as crianças choram muito inicialmente, são amedrontadas, têm dificuldades em se alimentar. Destacam, também, que isso é temporário, na maioria dos casos.

Na escola, a criança tem convívio com pessoas que não são da família. O que foi possível observar nesses espaços?

Pelo relato das professoras e observação dos bolsistas, é possível perceber que, de modo geral, algumas crianças são mais tranquilas nesse ambiente que em suas casas. Outra, mais agitada e agressiva. Há também a (criança) com comportamentos ditos sexualizados. Todos os casos têm particularidades e isso precisa ser ressaltado. Há caso que a professora elogia a criança e diz que seu comportamento é mérito dos guardiões.

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