São raros, no Brasil, os meio-campistas na acepção que Tostão gosta de utilizar (algo que se tornou verdadeiramente comum na Europa somente com a tendência em transformar armadores em “volantes”, o que acabou criando uma espécie de híbrido bem benéfico ao futebol). Em terras tupiniquins, permanece aquela divisão bastante engessada entre volantes e meias. Isso se atrela tanto ao excesso do 4-2-3-1 – e à escassez de um 4-3-3 na linha que vemos hoje com recorrência na Europa –, quanto à carência de times que controlam o jogo e sabem jogar com a posse. Afinal, a figura desse meio-campista mencionado – passador, técnico, clássico, inteligente, ocupador de espaços, controlador, dono daquele ar absoluto nas ações, na estirpe de Kroos, Xavi, Iniesta, Modric, Busquets, Xabi Alonso, Rakitic, Pogba (...) – é extremamente útil para esse tipo de jogo de mais controle – e também para as versões europeias típicas atuais do 4-3-3. Aqui ainda vigora a tendência oposta: a de adiantar volantes habilidosos, e não a de recuar meias.
Fala-se (com razão) que é mais fácil fazer um jogador técnico, habilidoso, aprender a marcar, do que um “brucutu”, um “cumpridor”, um burocrata a criar, fazer o diferente. Porém, apesar do sucesso da frase, na prática, em muitos aspectos, enxergamos os treinadores brasileiros tomando decisões que denotam, em termos essenciais, exatamente o contrário, uma visão oposta de futebol. Dois exemplos: as situações dos volantes habilidosos que passam a ser meias (e os casos escassos de meias que são ensinados a marcar para virarem volantes e o time ter, no setor mais defensivo, o acréscimo de uma peça mais habilidosa, qualificada); a maneira como, em nome da recomposição dos homens de lado, muitas vezes os técnicos deixam as escalações menos talentosas ao invés de simplesmente ensinarem, insistirem para os pontas mais habilidosos aprenderem, se conscientizarem da importância de recompor – nesse campo podemos ver também muitas inversões de valores, quando uma peça essencialmente ofensiva é julgada/escolhida/preterida muito mais por causa de algo assessório, complementar para sua função (marcar, recompor), do que por aquilo que deveria estar na essência dela (criar, driblar, atacar).
- Outro ponto onde podemos vislumbrar incompatibilidade entre discurso e prática no Brasil: fala-se sempre que, também aqui, a preparação física se esmerou bastante, e que, em função disso, o fôlego, a resistência, e a explosão dos atletas interferem cada vez mais nas partidas. Vá lá: tem-se sim, aí, alta dose de verdade. Mas continuamos vendo poucos times no Brasileirão com estratégia tática atrelada a uma obstinação física acachapante. Algo visto, por exemplo, no seu ápice, no Borussia de Klopp e no Atlético de Simeone, em temporadas recentes – essa intensidade, essa entrega, porém, em graus menores aos demonstrados nos dois cases assinalados (e ainda assim, bem superiores aos vistos no Brasil), são bem comuns mesmo em times pequenos e médios do Velho Continente.
- Neste sentido, é emblemática a entrevista dada por Douglas Costa ao Estadão nos últimos dias (fácil de encontrar na Internet): o jogador do Bayern aborda, entre outras coisas, as diferenças de foco, intensidade, correria, tempo para pensar com a bola no pé que existe no futebol europeu e no brasileiro.