Dívidas com a previdência comprometem ainda mais as finanças dos municípios

Filipe Motta
fmotta@hojeemdia.com.br
16/01/2017 às 07:42.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:26

Com previsão de superar os R$ 194 bilhões, segundo cálculos do Tesouro Nacional, a dívida previdenciária das prefeituras se transformou em uma das principais queixas dos gestores com a União. Prefeitos cobram a revisão e a renegociação dos débitos, hoje cobertos automaticamente pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O mecanismo pode esvaziar ainda mais o já estrangulado caixa das cidades, em tempos de queda de receita e defasagem nos repasses do governo federal.

Hoje, acordos feitos com a União autorizam o débito na fonte dos repasses do FPM em caso de não cumprimento dos pagamentos, cujas dívidas foram renegociados. Na última gestão, quase mil municípios chegaram a ter os recursos do FPM zerados em algum momento por conta dos débitos, aponta a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Com precariedade financeira, o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Antônio Andrada, afirma que os municípios têm dificuldade de contratar ou disponibilizar pessoal para analisar a documentação passada sobre a dívida e questionar o cálculo.

Apesar de parcela dos municípios, principalmente os de grande porte, contarem com regime próprio de Previdência, mais de 5 mil dos 5.570 municípios aparecem com pendências com a Previdência Federal, afirma o presidente da CNM Paulo Ziulkoski. Para o municipalista, a resolução da questão é tão urgente quanto o reajuste de repasses para programas nas áreas de saúde e educação, congelados nos últimos anos.

Com outra base de cálculo, a avaliação da CNM é que o crescimento da dívida previdenciária dos municípios saltou de R$ 22 bilhões, em 2009, para R$ 62 bilhões em 2011 e R$ 100 bilhões, em 2016, um crescimento total de 182% em sete anos.

Empenho

“O que a gente quer é a aprovação de projetos que garantam a melhoria dos municípios. Pedir auxílio financeiro direto não tem como fazer. A gente quer renegociar esta dívida da Previdência. E muitos municípios inclusive não devem, de fato, a União”, afirma Ziulkoski.

O argumento da dívida não existente recai sobre um entendimento do Supremo Tribunal Federal que, após cinco anos, os débitos previdenciários dos municípios expirariam. Os prefeitos, no entanto, afirmam que a regra não tem sido cumprida pela Previdência.

Ainda que o dinheiro da repatriação de recursos do exterior tenha irrigado o caixa de muitas prefeituras, a avaliação é que, diferentemente dos estados, principalmente o Rio de Janeiro, cuja situação econômica delicada vem sendo vista com atenção pelo Executivo federal, por deputados e por senadores, a situação envolvendo os municípios é encarada com pouco empenho.

O presidente da AMM, Antônio Andrada, segue o coro dos descontentes que questionam a situação crítica das dívidas previdenciárias. Ele afirma que falta precisão, por parte da Receita Federal, que é quem executa a cobrança, e do INSS. Andrada exemplifica com a sua própria experiência como prefeito.

“Quando assumi a prefeitura de Barbacena, ela tinha parcelas do INSS a pagar e fui à Receita Federal para regularizar a situação. A confusão é tão grande que eles não sabem o quanto a prefeitura deve. Eles colocam um valor num documento, mas com a observação de que esse valor pode mudar a qualquer momento. É um documento em branco. O problema é que se você não assina, não tem o certificado de regularidade do município e não consegue realizar uma série de atividades”, explica.

Defasagem no repasse às cidades agrava a situação

O economista e geógrafo François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais, pontua que a relação dos municípios com a União é ainda mais delicada devido à defasagem nos repasses feitos aos municípios.

“No caso do Fundo de Participação dos Municípios, o crescimento no ano que passou foi de 4,5%, o que levou a um aperto financeiro bastante grande”, diz. 

Outro aspecto a ser considerado, diz, é que grande parte do dinheiro repassado pela União e que já vem carimbado – Fundos de Educação, assistência Social, SUS e outros convênios – em 2016 sofreram corte de 34,5% para o conjunto dos municípios de Minas Gerais como um todo. “É uma perda muito significativa”, avalia.

O professor de contabilidade governamental Thiago Borges, do Ibmec, vai na mesma direção. “Cerca de 80% dos municípios hoje dependem do Fundo de Participação dos Municípios. Como a gente não tem um programa de reforma geral à vista, a melhoria no repasse de recursos como os vinculados ao SUS e à merenda escolar é o caminho disponível no momento”, afirma. Ele, no entanto, é reticente: “alivia um pouco, não resolve o problema”.

“Se aumentar a merenda escolar e o Saúde da Família, por exemplo, já ajuda. Só que eles (governo federal) não querem aceitar nenhum aumento. Com a emenda do teto do gasto não passa nada”, reclamaPaulo Ziulkoski, da Confederação Nacional dos Municípios, para quem é preciso os prefeitos se organizarem melhor para fazerem suas reivindicações.

Valores

No ano passado, o repasse diário para a merenda escolar por aluno do ensino fundamental em áreas urbanas era de R$ 0,30, chegando a R$ 1 para atendidos em creches e para alunos da educação integral. De acordo com a CNM, o custo diário da merenda fica em R$ 4,50. No transporte escolar, o levantamento apontava um custo médio de R$ 114 por mês, por aluno, em 2016, com um repasse de R$ 12. Até o momento não há reajustes no repasse para este ano, de acordo com a assessoria do Fundo Nacional de Educação.

No caso do programa Saúde da Família, em 2016 projetava o custo médio de funcionamento das equipes em R$ 48 mil, com o repasse federal variando entre R$ 7.130 e R$ 10.695.

“ Quando o governo federal criou esses programas, o fez de forma atrativa, assumindo boa parte das despesas, com os municípios assumindo uma parcela menor. Mas com o passar do tempo, os valores foram sendo congelados e isso, em parte se inverteu. Com os programas incorporados nas comunidade, não há condições políticas de suspendê-los”, diz Antônio Andrada, da AMM.
 

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