Dois filmes em DVD provam o talento de Nick Ray

Agencia Estado
14/01/2013 às 10:42.
Atualizado em 21/11/2021 às 20:36

Chama a atenção que François Truffaut, em seu ensaio sobre "Johnny Guitar" (no livro "Os Filmes da Minha Vida"), diga que o melhor filme de Nicholas Ray ainda é "Amarga Esperança", sua estreia na direção de longas. Surpreende, porque o próprio Truffaut diria, em entrevistas, que "Johnny Guitar" era um dos filmes que mais o haviam impressionado na vida, além de ser tido, de maneira mais ou menos unânime, como a obra-prima de Nick Ray (1911-1979). O que só aumenta o interesse por este "Amarga Esperança", tido também como precursor de "Terra de Ninguém", "Bonnie & Clyde" e outros road movies sobre casais em fuga.

Em termos de assunto, é bem verdade, ele se parece mesmo com esses filmes. Fala de um amor bandido entre um jovem assaltante, Bowie (Farley Granger) e uma garota (Cathy O’Donnell). A história é baseada no romance "Thieves Like Us", de Edward Anderson. Bowie foge da cadeia com dois comparsas mais velhos e assaltam um banco. Ele conhece uma garota, se apaixonam e fogem. Querem sumir do mapa, mas os dois comparsas têm outros planos para Bowie. A história segue a lógica implacável desse gênero, daquela espécie de armadilha difícil de escapar mesmo quando se é jovem, bem disposto e motivado por uma nova paixão.

Várias coisas chamam a atenção no filme. Por exemplo, seu frescor e agilidade. Ray dirige como um músico, atento ao ritmo. Sabe usar as pausas. Às vezes pensamos que está perdendo tempo com algum detalhe sem importância e, em seguida, vemos uma aceleração inesperada naquilo que seria vital para a narrativa. Por exemplo, é uma longa sequência aquela entre o casal e o picareta que arruma casamentos a 20 ou 30 dólares, podendo alugar ou vender tanto alianças quanto automóveis para a lua de mel. Depois, nos damos conta de que esse encontro é mesmo fundamental para a compreensão do quadro narrativo e do ambiente onde ele se dá. Por outro lado, um assalto e seu desfecho, ao invés de ser mostrado, é narrado numa simples frase. Algumas palavras e basta. Tudo isso pode ter sido feito para economizar na produção barata da RKO. Mas também é linguagem cinematográfica e senso de economia estética.

Outro é o tom de "Alma sem Pudor" (1950), em que Joan Fontaine faz Christabel Caine, uma alpinista social digna de medalha de ouro. Isto é, se pessoas como ela merecessem algum tipo de medalha. Ela é uma garota pobre em família rica, que não hesita em desfazer o noivado de sua anfitriã Donna com o ricaço Curtis. Isso, claro, porque está de olho no noivo da outra. E no dinheiro do otário, bem entendido.

Com seu charme particular, e frases fatais que parecem estricnina infiltrada em bombons de luxo, Christabel vai conseguindo o que deseja. Manipula quem quer e abre caminho rumo ao topo. Seu ponto fraco é a paixão por Nick, um escritor franco, duro... e sem dinheiro.

Contemporâneo e primo irmão de "A Malvada", de Joseph Mankiewicz, "Alma sem Pudor" (Born to be Bad) mostra que Nick Ray, em início de carreira se mexia tão bem no noir como no melodrama. E conseguia, no âmbito da indústria, impor um ponto de vista e uma assinatura. O êxito viria depois, com "Johnny Guitar" (1954), estrelado por Joan Crawford, e "Juventude Transviada" (1955), no qual trabalha com James Dean, o eterno rebelde sem causa. Mas Nick já era ele mesmo nesse início de carreira. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

ALMA SEM PUDOR
R$ 39,90, Versátil

AMARGA ESPERANÇA
R$ 44,90, Versátil
http://www.estadao.com.br

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