Fé, sustentabilidade, imaginação infantil, paixões proibidas, lembranças, felicidade, nostalgia, insanidade... Oito das 14 escolas de samba do Grupo Especial de São Paulo preferiram, em 2014, levar para o Anhembi temas abstratos em vez das tradicionais homenagens a personalidades, cidades ou episódios históricos. A explicação, corroborada por carnavalescos e por bambas do samba, está na liberdade de criação e nas possibilidades lúdicas de um tema mais aberto.
"Todo enredo sobre cidade começa com os jesuítas, os índios e os bandeirantes e termina mostrando como será a cidade do futuro. Enredos como o nosso deste ano proporcionam muito mais possibilidades de criação", diz Flávio Campello, carnavalesco da X-9 Paulistana, terceira a desfilar na noite de hoje, com o tema da insanidade.
"Não aguento mais ver jesuíta, bandeirante, índio, igreja, que sempre tem nos enredos. Prefiro temas abstratos", desabafa Pedro Alexandre, o Magoo, carnavalesco da Nenê de Vila Matilde, escola que decidiu abordar as paixões proibidas no Anhembi. "Antes, tínhamos três ou quatro propostas de enredos patrocinados e quase fechamos com o (apresentador de TV) Ratinho. Só não deu certo porque o SBT não queria que o Ratinho aparecesse na Globo. Graças a Deus o enredo não vai ser sobre ele."
Atual campeã, a Mocidade Alegre vai falar sobre fé. "Queríamos um tema com identidade forte, com sentimento. Conversei com padres, pais de santo, budistas e ateus. Mas a ideia é humanizar, aproximar o desfile do público comum", afirma Sidnei França, carnavalesco da agremiação.
Intérprete oficial da Rosas de Ouro - que vai tratar do "inesquecível" -, Darlan Alves aposta que a escola terá "um dos enredos mais emocionantes de sua história". "Prefiro temas que dão possibilidades, em vez daqueles que nos deixam presos. Uma vez, por exemplo, precisei fazer um enredo sobre a Hungria. A liberdade de criação nos temas abstratos é muito mais vasta", diz. "Falar sobre sentimentos está no inconsciente coletivo", afirma seu assistente, Murilo Lobo.
Facilidade.
"Um tema abstrato é mais fácil de falar, é mais fácil de emocionar. Todo mundo entende o sentimento. O enredo fica mais leve. Já quando o tema é histórico, exige mais pesquisa. Tanto que às vezes até o pessoal da escola se cansa", diz a ex-carnavalesca Maria Apparecida Urbano, autora do livro Carnaval e Samba em Evolução na Cidade de São Paulo.
"Sem dúvida, isso é uma tendência. Questões históricas são mais exatas, não dá para ficar inventando. Do ponto de vista da criação, é natural que os carnavalescos prefiram o abstrato", afirma Alberto Ikeda, professor de Etnomusicologia e Cultura Popular do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que pesquisa carnaval há mais de 30 anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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