(Cristiano Machado)
Inflação corroendo a renda do consumidor, juros nas alturas e falta de planejamento: o cenário perfeito para o aumento do endividamento. E não deu outra. Frente ao quadro econômico nebuloso, o nível de comprometimento da renda do belo-horizontino foi às alturas e atingiu a marca de 62%, a maior desde fevereiro de 2013, segundo Análise Mensal do Endividamento do Consumidor, da Fecomércio. O índice é quatro pontos percentuais superior ao alcançado em maio.
Com juros acima de 300% ao ano, a dívida do cartão de crédito fincou o pé como principal inimigo do bolso do consumidor. O levantamento aponta que 64,3% dos consumidores estão comprometidos com o dinheiro de plástico. E, pior: 29% deles não pagaram a fatura no mês passado.
“O cartão de crédito tem os juros mais altos do mercado. Evitar entrar no rotativo é essencial. Se não for possível pagar toda a fatura com dinheiro próprio, é melhor avaliar as taxas de empréstimos do mercado e trocar a dívida”, afirma o consultor de finanças pessoas Paulo Vieira.
Santo de casa
O coordenador do curso de Administração da Faculdade Arnaldo, Alexandre Miserani, se enquadra no grupo daqueles que possuem compromisso financeiro, ou seja, os endividados. Mas está longe de entrar para a turma dos que não quitam o cartão de crédito. Apesar de respirar finanças no trabalho, ele admite que não estava tão habituado a controlar os gastos.
A rotina mudou quando as filhas Rafaela e Gabriela Miserani, de 11 e 13 anos, aprenderam no Magnum Cidade Nova, onde estudam, a importância de colocar as despesas na ponta do lápis. A situação econômica do país também contribuiu.
“O cenário econômico pede uma alteração nos hábitos, pois a renda tem sido corroída. E a importância da família é fundamental para alterar a rotina”, afirma o coordenador do curso de Administração.
Na prática
Desde que as meninas propuseram as mudanças, há quatro meses, Miserani afirma que já deixou de gastar pelo menos R$ 7 mil. “Frequentávamos muitos restaurantes, shows, por exemplo. Hoje, nos programamos para ir aos que temos mais interesse e nos divertimos em casa”, diz.
Alimentos prontos também foram cortados do carrinho de supermercado, ao passo que as pesquisas de preços ficaram mais intensas.
Mudanças na rotina como as do administrador têm sido cada vez mais frequentes. Como consequência, segundo o coordenador do curso de Ciências Econômicas da Newton Paiva, Leonardo Bastos, o comércio vende menos, os pedidos da indústria são reduzidos, é necessário demitir e a confiança do consumidor é abalada. “É uma bola de neve”, afirma Bastos.
Inadimplência
O reflexo dessa bola de neve é o aumento da inadimplência, caracterizada pelo atraso de três meses na dívida. Em junho, a inadimplência foi de 6,3%, 0,1 ponto percentual acima da registrado em maio. A elevação parece pequena, mas é importante lembrar que o índice começou o ano em alta.
De acordo com o economista da Fecomércio, Guilherme de Almeida, a previsão é a de que no segundo semestre o comércio se recupere, alavancando a indústria, ampliando os empregos e dando novo fôlego ao bolso do consumidor. Mas, refletir em queda do endividamento e da inadimplência é outra história. “O brasileiro não tem a cultura de planejar os gastos. Infelizmente”, lamenta.
Inflação em junho é a maior para o mês em 19 anos
Depois de fechar maio com o maior índice da série histórica (1,06%), a inflação de junho bateu a casa dos 0,94% em Belo Horizonte, a mais elevada para o mês dos últimos 19 anos, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgada nesta segunda-feira (6) pelo Ipead.
No ano, o índice alcançou a marca dos 6,78%, ultrapassando o teto da meta estipulada pelo o governo, de 6,5%. O acumulado dos 12 meses, de 9,40%, indica que ficar dentro do objetivo será uma tarefa árdua. E quase impossível. “A previsão daqui para frente é de altas sucessivas”, afirma a coordenadora de pesquisas da entidade, Thaize Martins.
Os planos de saúde foram os principais responsáveis por puxar a inflação para cima, com elevação de 13,55% em junho. O seguro anual aparece em segundo lugar, com 12,26%. A terceira principal contribuição é do condomínio residencial, com 2,17%.
Na contramão, os ingressos para jogos caíram 31,61%, os tapetes registraram queda de 15,80% e as boates, danceterias e discotecas apresentaram recuo de 13,67%.
Sem confiança
Com a renda do consumidor derretendo, o Índice de Confiança do Consumidor (ICC-BH) chegou a 36,62%. O corte é 50. Abaixo deste número, indica cenário pessimista, enquanto o otimismo é identificado quando o ICC-BH está acima. “O pessimismo aumenta quando o emprego é ameaçado”, diz Thaíze.
Ainda segundo a pesquisa, o interesse de consumo se mantém afastado dos bens duráveis, mais caros, que dependem de financiamento. Ou seja, daqueles que são comprados quando o futuro está definido. Vestuário e calçados aparecem em primeiro lugar na intenção de compra, com 31,43%. Veículos em antepenúltimo, com 4,76%. (T.M.)
A cesta básica teve queda de 1,62% e fechou junho a R$ 353,49
“Quando a pessoa compra no cartão de crédito, ela não vê a “facada”. Por isso, muitos consumidores se assustam com a fatura. O ideal é anotar os gastos em um papel e fazer o controle do orçamento” Paulo Vieira - Consultor de Finanças Pessoais