Avanço na quarta geração tecnológica mostra efervescência do Estado

30/07/2012 às 23:16.
Atualizado em 21/11/2021 às 23:58
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

Parque industrial mineiro se sofistica e usa compostos de moléculas baseadas em carbono em vez de elementos como silício e cobre

Investimentos pioneiros feitos em Minas Gerais ajudam a colocar o Brasil pela primeira vez na comissão de frente de uma nova era da indústria mundial. Batizada de quarta geração da revolução tecnológica, a eletrônica orgânica vive um momento de efervescência no Estado, envolvendo centros de pesquisa, empresas e governo no objetivo ambicioso de desenvolver produtos de altíssimo valor agregado e com eles conquistar o mundo dos negócios.

Telas dobráveis, papel eletrônico, cartazes dinâmicos, tecidos inteligentes, painéis de energia solar de baixíssimo custo são alguns dos produtos da eletrônica orgânica e impressa, processo criativo liderado pela suíça CSEM , empresa que tem em Belo Horizonte o único escritório de inovação no Brasil. Após firmar convênios com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e receber aportes do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) no valor de R$ 20 milhões, a CSEM Brasil se consolida como fornecedor dessa nova tecnologia para empresas mineiras.

No início de junho, chegaram ao mercado os primeiros produtos genuinamente mineiros produzidos pela CSEM. São os dispositivos da linha Lume, fitas flexíveis em plástico que emitem luz quando ligadas à corrente elétrica. Elas podem ser utilizadas em inúmeras situações, incluindo displays de eletrônicos como relógios, interiores de aviões e automóveis, placas comerciais, projetos de decoração, design e até na moda.

Quem acompanhou o desfile de Ronaldo Fraga na São Paulo Fashion Week pôde conferir que o estilista mineiro utilizou as lâmpadas eletroluminescentes da  Lume em sua nova coleção. Esses dispositivos têm vida útil de até 10 mil horas. Por serem flexíveis, têm diferentes aplicações e baixo consumo de energia.

Os produtos foram desenvolvidos pela CSEM, que está concluindo a implantação da primeira etapa de uma planta industrial de protótipos da tecnologia eletrônica orgânica impressa por rolos (roll to roll). A unidade fica na Cidade da Ciência e do Conhecimento criada pelo governo de Minas, no Horto, em Belo Horizonte. O projeto prevê investimento total de R$ 100 milhões em três etapas, dos quais R$ 30 milhões estão em fase de execução.

"Não se trata de tecnologia por tecnologia nem coisa que está na moda, elas têm embasamento econômico e impacto de longo prazo. Posso afirmar que Minas está na comissão de frente do mundo", afirma o executivo chefe da CSEM Brasil, Tiago Maranhão Alves. O mercado da eletrônica orgânica ainda é novo, mas já movimenta a cifra de R$ 5 bilhões no mundo.

De acordo com a consultoria IDTechEX, esse valor tem potencial para alcançar R$ 600 bilhões em 15 anos, dos quais R$ 18 bilhões no Brasil. A CSEM do Brasil trabalha com duas plataformas de produção. Além da nanotecnologia, que inclui a eletrônica orgânica impressa, a instituição desenvolve produtos também na chamada microtecnologia, com a criação de microssistemas e sensores miniaturizados para ambientes hostis. Neste segmento, os produtos podem ser destinados ao setor de petróleo, gás. mineração, automotivo, comunicação e aeronáutico.

Tiago Alves explica que a CSEM tem tecnologia para criar sistemas capazes de suportar a vibração de uma turbina de avião. Já na agricultura, as tecnologias permitem leituras precisas e automatizadas do comportamento de todos os aspectos físicos do campo e da lavoura, fornecendo dados consolidados da cultura.

A Junqueira Compressores percebeu a oportunidade de trabalhar em conjunto com o centro de pesquisa suíço. O presidente da empresa, Daniel Junqueira, 37 anos, diz que sempre apostou em tecnologia de ponta para impulsionar sua empresa, que é mineira e tem filiais no Rio de Janeiro e em São Paulo. Com o enfraquecimento do mercado de gás veicular, a Junqueira se voltou para o setor de plataforma de petróleo, em plena expansão."Procurei então a CSEM e fechamos um contrato para o desenvolvimento de um sensor com nível de tecnologia inédito no mundo", afirma o empresário, que prefere não revelar os valores do investimento. "Nós já fizemos os testes e acredito que nos próximos meses o produto chegará ao mercado", afirma.

Junqueira é o retrato de uma nova geração de empreendedores que têm a tecnologia como principal combustível do seu negócio. Ele também é presidente da Fiemg Jovem e diz que Minas Gerais está dando um salto grande quando se fala em inovação. "O Google montou um escritório em Belo Horizonte, a Boeing já manifestou intenção de vir para Minas, temos o Cetec, o BH-Tec, o Vale da Eletrônica de Santa Rita do Sapucaí, enfim, está tudo convergindo para uma mudança no perfil da indústria mineira".

A Fiemg Jovem aposta nesse cenário e por isso contratou a Global Urban Development (GUD), mesma consultoria que trabalhou na criação do Vale do Silício, nos Estados Unidos, para realizar um  iagnóstico do ambiente de inovação da indústria mineira. "A partir do momento em que recebermos esse diagnóstico, estaremos com a faca e o queijo na mão para traçarmos um plano estratégico". O empresário rejeita comparações. "Estamos fazendo o nosso próprio caminho. Cada lugar tem sua particularidade", afirma.

Crédito de carbono

Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que é parceira do CSEM e da Fiemg em diversos projetos, uma tecnologia criada em 2009 deve chegar ao mercado nos próximos meses. Pesquisadores do Departamento de Química desenvolveram pequenas esferas cerâmicas capazes de absorver o dióxido de carbôno (CO2) na atmosfera e transformá-lo em insumos diversos para as indústrias de plásticos, cerâmicas, têxteis e químicas, além da fabricação de inseticidas, corretivos para solos, papel e sabão. Isso sem falar, claro, no promissor mercado de crédito de carbono, uma vez que as pequenas esferas cerâmicas seriam capazes de absorver até 40% do dioxide de carbono, expelido pelas indústrias.

Um dos coordenadores do projeto, o professor Jadson Belchior explica que as esferas são instaladas no sistema de exaustão das indústrias, interagindo, por processo químico e em altas temperaturas, com o dióxido de carbono.

Belchior diz que o projeto entra agora em uma nova fase, depois de passar ns últimos dois anos por adaptações para encaixar às necessidades do mercado. "Vimos que, para ser incorporado pelas indústrias, precisávamos adicionar outros componentes para fazer a absorção a uma temperatura menor, reduzindo custos. Com isso apareceram muitas empresas interessadas em adotar a tecnologia", afirmou o professor.

 

A CSEM está implantando uma área industrial de protótipos da tecnologia eletrônica orgânica impressa por rolos (Foto: Carlos Rhienck)


O Departamento também desenvolveu uma tecnologia capaz de separar petróleo e derivados da água. Cerâmicas tratadas quimicamente absorvem o óleo e não a água. Segundo o professor Jadson, essa tecnologia pode ser usada tanto em postos de gasolina, para conter pequenos vazamentos que podem contaminar lençol freático, como em plataformas.

Ele acredita que Minas Gerais vive um momento de grande produção acadêmica, com muitas teses e desenvolvimento de novas tecnologias promissoras para a indústria. Em 2011,para se ter uma ideia, a UFMG liderou os registros de patentes entre as universidades federais do país, com 73 projetos.

Uma das patentes registradas foi do Universol, um solvente que dissolve praticamente qualquer material orgânico ou inorgânico, sem alterar a composição química da substância. Os autores da descoberta são os professores Claudio Luis Donnici e José Bento Borba daSilva, do Departamento de Química da UFMG.

Segundo Donnici, o Universol é útil, por exemplo, para mostrar se um cosmético ou um alimento contém metal pesado, ou se a casca de uma árvore a ser utilizada para produzir um medicamento está contaminada com metais ou substâncias tóxicas. "Ele também dissolve rapidamente carnes, unha, cabelo, pele, sementes, cereais ou qualquer outra matéria orgânica", comenta o professor. Segundo Donnici, o composto é um agente solubilizante simples, eficiente e reprodutível, que dissolve praticamente qualquer tipo de amostra em um tempo que varia de um a 30 minutos - solventes convencionais demoram em média 12 horas para dissolver um produto. Os Estudos foram patrocinados pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).

Mosquito da dengue

Os parques tecnológicos estão para a inovação assim como os shopping centers estão para o comércio. A frase do presidente executivo BH-Tec, Ronaldo Tadeu Pena, refere-se ao fato de que nesses centros de produção de tecnologias estão reunidas todas as condições para o desenvolvimento de produtos de altíssimo valor agregado.

O BH-Tec é uma parceria firmada entre o Governo de Minas Gerais, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e Governo Federal, por meio da UFMG. "Desde que se tenha por perto uma universidade com excelência em pesquisa", afirma o ex-reitor da UFMG.

"Desde que se tenha por perto uma universidade com excelência em pesquisa", afirma o ex-reitor da UFMG. Ele lembra que, nos Estados Unidos, esses celeiros de inovação são chamados de "parques universitários", tamanha a importância que o setor acadêmico tem.

"Assim como ocorreu no Vale do Silício, dada a oportunidade de interação e conversa entre pessoas inovadoras, a coisa frutifica", afirma Pena. Inaugurado em maio deste ano pelo governo estadual após investimentos de R$ 65 milhões, sendo R$ 35,5 milhões do Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sectes) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), o BH-Tec comprova essa tese na prática. Executivos de duas das empresas instaladas no parque, a Ecovec, da área de biotecnologia, e a Invent Vision, fabricante de câmeras industriais inteligentes, iniciaram um projeto conjunto que vai praticamente eliminar a necessidade de mão de obra para operar as premiadas armadilhas da dengue desenvolvidas pela Ecovec.

O gerente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da empresa, Rodrigo Monteiro, explica que está trabalhando junto com a Invent Vision no desenvolvimento de uma câmera ou dispositivo semelhante que possa enviar imagens e informações das armadilhas para computadores das prefeituras, que são os clientes da Ecovec.

Essas armadilhas capturam os mosquitos da dengue e dão um panorama em tempo real dos níveis de infestação da doença, otimizando as intervenções dos órgãos de saúde pública. Essas informações são repassadas por agentes das prefeituras ou das secretarias estaduais por meio de um software específico.

"Mesmo sendo necessário um contingente de 5% dos funcionários da prefeitura, apenas, muitas não conseguem manter a ferramenta porque utilizam também a metodologia do Ministério da Saúde, de coleta domiciliar de informações, que acaba exigindo mais mão de obra", explica Monteiro.

Com a nova tecnologia, esses dados poderão ser georeferenciados e enviados pela internet para as centrais dos órgãos públicos, com imagens. Rodrigo Monteiro conta que o projeto já foi aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais e as duas empresas têm agora dois anos para desenvolver o dispositivo.

Parques tecnológicos

"Eu fico impressionado com o sistema de inovação e ciência em Minas Gerais. Estamos muito à frente dos outros estados", afirma o gerente da Ecovec, que foi a primeira das 16 empresas a se instalar no BH-Tec. Segundo Ronaldo Pena, a meta é que o espaço abrigue 200 empresas quando estiver consolidado. "Pode ser daqui a três, dez ou 20 anos. O prazo vai depender de uma conjunção de fatores", diz ele.

O governo de Minas Gerais aposta nos parques para fomentar o desenvolvimento da inovação. Foi anunciado recentemente pelo governo estadual mais seis parques. Além do BH-Tec e do Parque Tecnológico de Viçosa, na Zona da Mata, já implantados, quatro estão em fase de instalação. Coordenado pela Secretaria de Estado de Ciência,Tecnologia e Ensino Superior (Sectes), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), o programa prevê a implantação dos parques de Itajubá, no Sul de Minas; Juiz de Fora, na Zona da Mata;Uberaba, no Triângulo Mineiro; e Lavras, também no Sul do Estado.

O secretário de Desenvolvimento Tecnológico da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Paulo Nepomuceno, explica que os projetos executivos estão sendo concluídos, e o edital de concorrência deverá ser lançado em breve. "A previsão é que as obras comecem em setembro e o parque comece a operar em 2013", disse o secretário.

O espaço vai ocupar uma área de um milhão de metros quadrados. "Somos exportadores de cérebros. Estamos proporcionando o aumento do nível de emprego qualificado e possibilitando que os estudantes fiquem em Juiz de Fora com bons empregos ao invés de irem buscar oportunidades em outras cidades", afirma Paulo Nepomuceno.

Os parques tecnológicos são uma importante ferramenta para mudar o perfil econômico de Minas Gerais, fortalecendo no Estado o desenvolvimento de produtos de alto valor agregado. A avaliação é unânime entre especialistas e empresários, como por exemplo o pró-reitor de Planejamento de Gestão da UFJF, Alexandre Zanini. "Não é simplesmente um condomínio de empresas. É um spinoff acadêmico, um link da academia com a comunidade, propondo soluções para problemas reais", afirmou.

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